A fei??o do novo governo

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? ? ? ? ? A fei??o do governo Bolsonaro come?a a tomar forma. Os ministros j? escolhidos e as primeiras declara??es daqueles que concentrar?o maior poder j? permitem desenhar os contornos da fisionomia governamental. Sob a observa??o consensual de que teremos uma administra??o com forte tend?ncia liberal na economia e conservadora nos costumes, d? para ver boa parcela de bra?os de empresas estatais, a come?ar pela ?rea da energia, na sala dos leil?es.

? ? ? ? ? H? muito, a Eletrobras sinaliza o desejo de privatizar suas seis distribuidoras de energia com sede no Norte e Nordeste. S? a concession?ria respons?vel pelo servi?o no Amazonas acumula 2,5 bilh?es de reais em inadimpl?ncia com d?vidas e obriga??es. Meses atr?s, o futuro presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, chegou a defender a pr?pria privatiza??o da empresa, tendo recuado nos ?ltimos dias para evitar barulho e movimentos contr?rios. Mas, ao dizer que a Petrobras vai se ater ao seu core business ? explora??o e produ??o de ?leo ? separa para venda ativos que n?o fazem sentido integrar o portf?lio, como a Liquig?s, ?empresa de g?s de cozinha.

? ? ? ? ? Mesmo sob precau??o, os comandos da economia, a partir do super-ministro Paulo Guedes, sinalizam com a ideia de forte enxugamento do Estado, cujas estruturas estar?o focadas exclusivamente em seus produtos e servi?os, abrindo campo para a iniciativa privada avan?ar na rota de estatais fora do prumo. Ser? um desafogo, com boa receita para os cofres do Tesouro, a par da chegada da competitividade e da desburocratiza??o em espa?os vitais.

? ? ? ? ? O Brasil redireciona, assim, sua trajet?ria econ?mica, atraindo interesse de investidores e criando condi??es para voltar a integrar o ranking das grandes economias. A meta parece consistente, claro, se for vencido o desafio das reformas fiscal, tribut?ria e da Previd?ncia, na mira do governo.

? ? ? ? ? Na frente pol?tica, o governo buscar?, inicialmente, apoio em bancadas espec?ficas, a come?ar pelos tr?s B?s (boi, bala e b?blia – bancadas do agroneg?cio, armamento e evang?lica). A for?a iniciante do novo governo dar? um empurr?o em dire??o ?s reformas, apesar de o presidencialismo de coaliz?o, mais cedo ou mais tarde, querer apresentar sua fatura. Ser? imposs?vel livrar-se desse grosso cip? que amarra partidos na ?rvore governista.

? ? ? ? ? As bancadas especializadas ver?o atendidas partes de suas demandas, como armas para produtores rurais, desimpedimentos burocr?ticos do Incra, impulsos ao agroneg?cio e aprova??o de uma pauta conservadora com foco nos valores da fam?lia (principalmente na frente educacional).

? ? ? ? ? No campo dos neg?cios externos, a pluralidade deve inspirar as rela??es com os mercados, nem sempre sob a batuta do bom senso. Pode haver complica??o nas negocia??es comerciais com a China e com os pa?ses ?rabes, na esteira da anunciada inten??o de endurecer com os chineses e de transferir a embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusal?m. O alinhamento incondicional e sem restri??es aos EUA, com o previs?vel encontro de interesses geopol?ticos, poderia afetar as rela??es multilaterais do Brasil? Eis uma ?rea de grande interroga??o.

? ? ? ? ? Entre os vizinhos as rela??es podem tamb?m ser objeto de realinhamento, a partir da fragilidade com que se apresenta, hoje, o Mercosul. Caso n?o haja mudan?a nos eixos desse mercado, o Brasil at? dele pode se afastar, como anuncia a futura ministra da Agricultura, a deputada Tereza Cristina.

? ? ? ? ? Na ampla frente social, os primeiros apontamentos s?o para o Nordeste, territ?rio sens?vel ao petismo e onde Bolsonaro teve o pior desempenho. Por isso, parece razo?vel uma teia de obras, como a conclus?o da Transposi??o do S?o Francisco, a perfura??o de po?os por todo o Pol?gono das Secas e a continuidade do programa Bolsa Fam?lia. Se o buraco social for fechado com s?lida argamassa, o governo ouvir? loas aos seus feitos sob o vel?rio do PT na regi?o.

? ? ? ? ? Resta saber quais ser?o as manifesta??es das fortes classes m?dias do Sudeste e dos bem organizados setores trabalhistas. Alguns pontos de atrito est?o ? vista, como o que pode ocorrer ante a eventualidade de uma reforma sindical. Ser? um grande barulho. Mas a maior tuba de resson?ncia que far? chegar o grito at? as margens abrigar? os profissionais liberais. Se a economia resgatar seu poder de fogo, esse contingente bater? palmas. A rec?proca ? verdadeira.

? ? ? ? ? Essa ? a primeira paisagem dos tempos bolsonarianos.

(Colabora??o de Gaud?ncio Torquato, jornalista, professor titular da USP, consultor pol?tico e de comunica??o Twitter @gaudtorquato).

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Publicado na edi??o 10340, de 29 e 30 de novembro de 2018.