Arte de rua além das ruas

Wendell Toledo

0
877

Street Art é uma disciplina artística e criativa que tem revolucionado o mundo das artes. Algo que comparo aos efeitos que o Rock e o Rap causaram na música, levando-a além dos espaços privados e evidenciando questão do cotidiano dos guetos, periferias e centros que anseiam por cultura, lazer, diversão e expressão.
Hoje, depois de já ter sido mais do que provada a qualidade artística e a importância da arte de rua, artistas saem das periferias e migram para os centros culturais, galerias e museus do Brasil e do mundo.
Quando morava na periferia de São Paulo, acompanhei como espectador o surgimento e evolução da expressão dos Gêmeos Gustavo e Otávio, do Speto e do Binho Ribeiro. Saia da Zona Norte de São Paulo e cruzava a cidade para trabalhar numa agência de comunicação em São Bernardo do Campo, e além dos livros e as músicas que ouvia para não morrer de tédio em uma viagem diária de 3 horas de ida e 3 de volta, vê-los pintando me gerava muitas reflexões, e já enxergava claramente como algo muito verdadeiro, que se tornaria a arte do presente. Durante este período, Eduardo Kobra também estava investindo em mostrar o seu trabalho em pontos estratégicos da cidade.
Foi uma questão de tempo para que todos esses artistas ultrapassassem as barreiras nacionais e estivessem expondo em todo o mundo, nos seus murais impressionantes ou em galerias renomadas.
O nosso País é um celeiro criativo fervoroso e tem um ambiente propício para o surgimento de muitos talentos, e cada um deles tem conquistado o seu espaço. Tendo este cenário favorável e considerando a escassez de entretenimento e grandes exposições, que embora estejam ocorrendo cada vez com mais frequência, não conseguem atender a demanda da população, as galerias abriram seus espaços para os talentos que vieram das ruas, os mesmos que usam muros privados, abandonados ou não, para se expressarem. Nomes como Mazola Marcnou, Karen Kueia, Sergio Free e Aqi Luciano, artistas da Artluv, são alguns exemplos.
Com isso, está cada vez mais difícil distinguir o que vai para as paredes ou o que não vai. O que está pintado ou escrito no muro do lado de fora de um comércio qualquer ou dentro de um apartamento duplex em bairro nobre de uma grande capital.
Um ponto muito polêmico é a questão do que é realmente arte e o que não é, ou melhor, o que é graffiti e o que é pichação, e não serei eu que vou resolver essa discussão. Mas é muito interessante saber que os artistas de rua passam por um processo de identificação e ressignificação constante com sua plataforma de trabalho mais tradicional: o muro e spray.
Não posso deixar de citar que o Metrô de São Paulo também é pioneiro e tem obras de artistas mais tradicionais, expostas em diversas estações, como no caso da estação Marechal Deodoro, com painéis de Gontran Guanaes Netto. Hoje já existe até visita guiada para ver as principais obras do Metrô. É a democratização da arte de rua em sua forma mais viva.
A prova de que a arte de rua é hoje a expressão que mais cresce é que artistas que desenvolvem trabalhos com técnicas clássicas têm migrado para esse movimento, empolgados com este formato quase livre de oportunidade de expressão.
A arte de rua está emergindo verdadeiramente das carteiras das escolas estaduais e municipais e nos muros das áreas mais distantes das cidades e em pouco tempo ganhando espaço em festivais e catálogos de arte internacionais.
Definitivamente temos vivido, talvez até mesmo sem perceber, uma verdadeira disrupção da arte “que ocorre das bordas para o centro”, como afirma o Professor Clayton Christensen, da Harvard, com quem tive a honra de estudar. A revolução está acontecendo nas periferias, guetos, comunidades e muros das zonas mais afastadas dos centros comerciais e invadindo as casas de artes, museus e paredes de classe média e AAA mundo afora. A arte de rua está indo além das ruas.

(Colaboração de Wendell Toledo, fundador e CEO da Artluv, art-tech que conecta artistas a clientes e amantes de arte).

(…)

Leia mais na edição 10357, de 31 de janeiro  e 1º de fevereiro de 2019.