A legalização das drogas é tema polêmico que nos assombra há muito tempo. Recentemente, essa pauta voltou em razão do Supremo Tribunal Federal retomar o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 635.659, que não tramitava desde 2015, que trata da descriminalização do porte de drogas para consumo próprio.
Esclareço que este artigo não visa defender ou condenar qualquer decisão que possa ser tomada por nossa Suprema Corte, mas apenas ponderar sobre suas consequências, razão de ser e alguns dos argumentos que se usa.
A primeira grande discussão é a respeito da legitimidade do STF para discutir a questão, passando por cima do Congresso Nacional, representante da vontade popular, tutor da elaboração das leis, o foro correto para decidir a questão.
Sabemos, entretanto, que todas as leis vêm do Poder Legislativo, pela representação dos políticos, deputados e senadores, em âmbito federal. Contudo, existe por parte do Judiciário, a obrigação de controlar que tais leis estão em consonância com nossa Constituição Federal, sem ofendê-la, já que os políticos não possuem obrigação de conhecimento jurídico.
O STF pode declarar a inconstitucionalidade de leis, por exemplo, que crie pena de morte, que permita tortura em investigação policial ou mesmo tratamento desigual em razão do sexo, credo ou religião, já que nossa CF proíbe em seu art. 5º tais situações.
No caso do porte de drogas para uso pessoal, atualmente considerado crime pelo art. 28 da Lei de Drogas, poderia haver incompatibilidade com os princípios constitucionais da intimidade, da vida privada e liberdade individual, já que o uso da droga não afronta a coletividade e saúde pública, mas apenas a saúde do próprio usuário.
Inclusive, se fôssemos tomar por base a proteção à saúde do usuário da droga, por considerar que a maconha causa dependência, teríamos que debater sobre os estudos que comprovam que algumas drogas lícitas, como o álcool, causam mais dependência e danos à saúde, inclusive pública.
Outro ponto que não se desconsidera, é que o porte de droga para uso próprio é hoje considerado de menor potencial ofensivo e punida, no máximo, com advertência verbal, obrigação de frequentar cursos ou prestar serviços à comunidade. O processo criminal pode até ser evitado por meio de acordo com o Ministério Público, sem nem mesmo gerar antecedente criminal.
O grande problema da descriminalização da maconha (ou de qualquer droga) para uso próprio, a meu ver, é estabelecer os critérios objetivos para diferenciação do crime de tráfico de entorpecentes, ilícito muito mais grave, hediondo, de potencial ofensividade à saúde pública e que não está sendo analisado pelo STF. Mas isso seria assunto para outro artigo.
(Colaboração de Daniel Guedes Pinto, advogado e professor universitário).
Publicado na edição 10.785, sábado a sexta-feira, 2 a 8 de setembro de 2023