Bebedourenses doaram ouro, joias e dinheiro na campanha patriótica em prol da “democracia” pós 1964

José Pedro Toniosso

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Cidadãos foram às ruas das cidades brasileiras em apoio à campanha “Ouro para o bem do Brasil”.

Logo após o golpe de Estado iniciado em 31 de março de 1964, que resultou no início do período da ditadura que se estenderia até 1985, surgiu a Campanha denominada “Ouro para o bem do Brasil”, cujo objetivo era a arrecadação de ouro e de dinheiro com o pretexto de ajudar o país a superar a crise econômica em que se encontrava, inclusive para o pagamento da dívida externa.

A Campanha resultou da aliança entre diversos setores civis e militares, liderados pelos Diários Associados, maior grupo jornalístico da época, de propriedade de Assis Chateaubriand, que utilizou seus jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão para fazer ampla divulgação.

Desde seu início a Campanha contou com a participação de grande parcela da sociedade civil, desde os membros da elite até indivíduos paupérrimos, que faziam questão de contribuir. Lançada na cidade de São Paulo, o movimento se espalhou pelo país, inclusive por municípios do interior paulista, como é o caso de Bebedouro.

Conforme publicado por jornais locais da época, foi constituída uma comissão organizadora do movimento, tendo à frente, na presidência, o Juiz de Direito da Comarca, auxiliado pelos membros do Rotary e Lions Club, com apoio da imprensa escrita e falada, Tiro de Guerra, Grêmios Estudantis e outros.

Na noite do dia 12 de junho ocorreu a abertura da Campanha, com desfile de fanfarras pelas ruas da cidade convidando a população para participar da solenidade que ocorreria nas varandas do Bebedouro Clube. À frente do desfile, o Tiro de Guerra fazia a guarda das urnas, carregadas por ferroviários da Cia. Paulista, seguidos pelos membros da Comissão organizadora carregando a bandeira brasileira, acompanhados pelas autoridades do município. Na sequência, as fanfarras do Instituto de Educação Dr. Paraíso Cavalcanti, do Colégio Anjo da Guarda, e da Escola Técnica de Comércio Vicente Cezar.

No local preparado, foram instaladas as três urnas receptoras de ouro, cheques e dinheiro. Após o pronunciamento de autoridades, religiosos e representantes de entidades, deu-se início ao recebimento das primeiras doações, as quais tiveram continuidade até o dia 21 de junho, com intensa divulgação da imprensa, que incentivava a participação do povo com mensagens como “Bebedourenses! Três urnas aguardam sua contribuição para a salvação do Brasil!” ou “Três urnas esperam de sua generosidade e patriotismo uma doação expressiva que fale de seu amor à Pátria Brasileira!”

No dia 21 de junho ocorria o encerramento da Campanha e, conforme os jornais publicaram, centenas de bebedourenses teriam levado sua contribuição, incluindo “pessoas de todas as camadas sociais, sem distinção de credos religiosos ou políticos”, numa “demonstração inequívoca de patriotismo e confiança nos destinos de nossa Pátria.” Nesta data, diante de autoridades, imprensa e convidados, deu-se o leilão das joias e doações oferecidas pelos bebedourenses, sendo tudo organizado para a entrega dos recursos em São Paulo, o que ocorreu no dia 23, na sede dos Diários Associados na capital paulista. No ato da entrega foi revelado o total angariado junto à sociedade bebedourense: 3 quilos de ouro; 19 quilos de moedas. 4 milhões, 599 mil, 118 cruzeiros e 50 centavos.

No contexto nacional, o encerramento ocorreu no dia 07 de julho, com significativa adesão da população em geral e do empresariado, que doou bens dos mais variados tipos, incluindo dinheiro, joias, relógios, automóveis e muitas relíquias. No Estado de São Paulo, o montante arrecadado chegou a mais de 2 bilhões de cruzeiros e 1200 quilos de ouro, sendo que a soma das contribuições em todo o Brasil não foi divulgada.

No entanto, finalizada a Campanha, questionou-se sobre a transparência na destinação de tais recursos, sendo informados nos anos seguintes, diferentes encaminhamentos, desde a compra de equipamentos para a Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro; passando por programas de cura do câncer e da lepra ou de erradicação do analfabetismo. Como se sabe, naquele período tais problemas não foram superados, a dívida externa não foi paga, e a moeda brasileira (o cruzeiro) se desvalorizou como nunca. Desta forma, passados tantos anos, permanecem as perguntas: Será que o ouro arrecadado teve o destino que lhe foi outorgado? Será que foi usado para o bem do Brasil?

(Colaboração de José Pedro Toniosso, professor e historiador bebedourense)

Publicado na Gazeta de Bebedouro, Edição 10.673, 8 a 10 de junho de 2022