No ano passado, por conta do 30º aniversário da Constituição da República, falou-se muito dela. Os que a defendem salientam sua resiliência capaz de suportar crises, dois impeachments e garantir a vitalidade das instituições. Os que a criticam vão desde o clamor por uma Constituinte autêntica, até à desconstitucionalização de temas que não deveriam nela figurar.
Tudo resolvido? Desconfio que não.
Trinta anos podem não ser nada para o Cosmos, mas representam mais do que um terço da vida útil de qualquer brasileiro. O mundo mudou bastante de 1988 para cá. Quem imaginaria estivéssemos onde estamos?
A Constituição também mudou. Era dirigente, não é mais. Assim como a Portuguesa nasceu socialista e hoje não é. A nossa passou por cem emendas, além das seis de revisão. E ninguém está satisfeito. O constituinte derivado, o parlamentar, gosta de PEC – Proposta de Emenda à Constituição. A cada três dias, surge uma nova no Congresso. Ainda tramitam muitas, sem falar que 80% foram arquivadas: 2.220 ao que consta.
Também, é um prato cheio para quem quer enxergar urgência de mudança. Tem 64.488 palavras. É a 3ª maior do planeta. Só Índia e Nigéria conseguiram redigir uma Carta mais extensa do que a nossa.
Mas tem um pecado capital. Criou expectativas, prodigalizou os direitos, não se ateve à análise econômica do Direito. Quem vai pagar a conta para essa demanda que acaba favorecendo os privilegiados que têm acesso à Justiça?
Não se diga que todos têm. É uma realidade formal. Na prática, adentra-se mas o titular da capacidade postulatória pode ser talentoso, um estrategista, um profundo conhecedor do labiríntico e caótico equipamento chamado Justiça. Aqueles que dependem de profissionais menos preparados terão uma resposta correspondente. Daí os indeferimentos de inicial, a detecção de nulidades, os inúmeros desvios e meandros que impedirão o demandante de ver apreciado o cerne do conflito.
Isso é claro na Justiça Criminal. Os pequenos insetos ficam enredados em sua teia. Os grandes, atravessam-na com facilidade.
Não se produziu a reforma do Judiciário – ou do sistema Justiça – de que o Brasil se ressente. O Parlamento fica mais preocupado em administrar seus próprios conflitos. É claro: com quase quarenta partidos, com a fragmentação das pretensas ideologias que eles representam, se vinte e seis ocupam cadeiras no Congresso, é muito difícil obter maioria.
E haja sede de Partidos. Há mais de setenta pretensões em andamento, para a criação de Partidos Militares, de defesa de animais, partido corintiano e por aí vai. Isso é o que gerou o “Presidencialismo de corrupção”, modalidade do “Presidencialismo de coalizão”, que acabou não funcionando.
Nada obstante, a Constituição tem boa intenção. O STF poderia se conformar com a sua relevantíssima missão de ser o guarda precípuo da Constituição e deixar a competência que o impede de decidir as questões de constitucionalidade e de sinalizar à Nação o que vale e o que não vale.
Enquanto isso, todos os brasileiros deveriam ler sua Constituição, compreendê-la e, mais do que isso, cumpri-la. Bem observada, talvez servisse para tornar o Brasil aquela Pátria justa, fraterna e solidária prometida pelo constituinte em 1988 e que é tão difícil de ser implementada.
(Colaboração de José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Uninove, Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo.)
Publicado na edição nº 10447, de 27 a 29 de novembro de 2019.