Prevendo o imprevisível: afinal, as pesquisas eleitorais erraram ou não?

Shirlei Camargo

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Contestar pesquisas eleitorais não é novidade, mas, desde o primeiro turno das Eleições 2022, as sondagens se tornaram alvo de críticas de muitas pessoas. Tem até quem queira criar leis para criminalizar pesquisas que indiquem resultados diferentes das urnas.  Mas será que há razão para isso? Enquanto pesquisadora gostaria de esclarecer algumas coisas. Primeiramente, como o próprio nome diz, trata-se de uma pesquisa de previsão de OPINIÃO e não de uma certeza absoluta.

Trabalhei muitos anos em uma grande empresa do ramo de cosméticos, fazendo previsões de vendas. Quando aconteciam divergências entre o previsto x realizado, eu lembrava aos críticos de plantão que o nosso trabalho eram PREVISÕES e não “CERTEZAS” de vendas. O mesmo acontece com as pesquisas! Assim como em uma previsão de vendas, o pesquisador usa todas as técnicas possíveis para se aproximar ao máximo da realidade, mas sempre há variáveis “incontroláveis” que podem modificar o resultado final. Nesse caso a variável “incontrolável” foi o próprio eleitor.

No infográfico que apresento, pode-se analisar de onde provavelmente vieram esses votos a mais para o candidato a presidente Jair Bolsonaro. Claro, trata-se também de uma estimativa, pois acredito que nunca teremos certeza. Para nos aproximarmos de uma “certeza”, a saída seria utilizar as ferramentas e técnicas da neurociência. Em suas pesquisas, são mensurados ondas cerebrais, movimentos oculares, batimentos cardíacos, micro expressões faciais que não mentem jamais. Isso porque é fato: as pessoas falam uma coisa e fazem outra. No mercado é assim: você pergunta para o consumidor se ele gostou do produto, se compraria. Na hora da verdade, no ponto de venda, no momento em que ele precisa tirar o dinheiro da carteira, ele pode mudar de ideia. E podemos afirmar que o mesmo pode acontecer com alguns eleitores.

Isso ocorre porque somos humanos e temos vários vieses, dentre eles o da conformidade social. Muitas vezes, durante uma pesquisa, a pessoa para se enquadrar, para ser aceita, ou até mesmo ser simpática, dá uma resposta que ela acredita ser socialmente a mais correta, mas que não condiz com o que realmente pensa. Nesse contexto, as pesquisas por telefone têm uma pequena vantagem, pois o fato de não estar frente a frente com o entrevistador ou, ainda, de ser até um “robô” do outro lado da linha, leva a pessoa a ficar mais à vontade e dar sua opinião sincera.

Outro erro é comparar pesquisas que usam metodologias diferentes, como por exemplo, presencial x telefônica. Em julho de 2018 pesquisas diziam que o então candidato a presidente Fernando Haddad estava com 12% das intenções de voto. Em setembro, outra pesquisa apontou que ele estaria com 22% e a frente do Bolsonaro, fato que não se concretizou. O erro foi comparar pesquisas com metodologias diferentes: uma por telefone e outra presencial.

E, claro, como em todas as áreas, podem existir profissionais e empresas não muito idôneas que tentam manipular uma pesquisa. Por exemplo, no momento de selecionar a amostra, esse pesquisador pode aplicar questionários majoritariamente em áreas onde certo candidato tem a preferência dos eleitores. Contudo existem formas de evitar essas manipulações como a lei n° 9.504/1997 Art. 33, que obriga os institutos a divulgarem, entre outras coisas, seu plano amostral que precisa ser proporcional às características da população estudada em relação a gênero, idade, grau de instrução, nível econômico e área física. Caso você tenha interesse em analisar as pesquisas já publicadas, elas estão disponíveis no site do TSE.

Ainda, contrariando o pessoal da teoria da conspiração, não faz sentido os grandes institutos manipularem suas pesquisas, pois é a imagem deles, da sua marca, que está em jogo. Quanto mais as pesquisas se aproximarem da realidade, melhor para essas empresas.

Enfim, apesar de todas as dificuldades e problemas, uma campanha sem pesquisas seria como um “tiro no escuro”, onde candidatos (e eleitores) teriam que construir suas estratégias embasados apenas em suas opiniões, o que é muito arriscado. Agora, antes de “matar o mensageiro” (no caso, os institutos de pesquisa) lembre-se da frase de Mary Roach: “As pessoas são coisas confusas e imprevisíveis”.

(Colaboração de Shirlei Camargo, mestre e doutora em Marketing pela UFPR, com formação em Design e especialização na FAE Business School.  Também é mestranda em Neuromarketing na Escuela Superior de Comunicación y Marketing (ESCO), na Espanha).

Publicado na edição 10.707, de sábado a terça-feira, 15 a 18 de outubro de 2022.