Desde 2012, quando a Prefeitura Municipal realizou uma operação de combate ao tráfico de drogas e prostituição numa região central da cidade de São Paulo popularmente conhecida como Cracolândia, temos observado usuários espalhados por vários bairros, perambulando a esmo, consumindo drogas e aterrorizando a população.
Um dos locais de migração dessa população de dependentes foi a praça José Molina, aquela que faz a confluência de quatro grandes avenidas da cidade: Paulista, Consolação, Dr. Arnaldo e Rebouças.
A praça faz parte do meu caminho cotidiano para o trabalho. Passo por lá por volta das seis e trinta da manhã, e não raro, as pessoas estão com suas fogueirinhas acesas, trocando impressões sobre a vida.
Recentemente, quando atravessava o Túnel José Roberto Fanganiello Melhem (aquele em que os ciclistas se reúnem à noite para fazer um tour pela cidade, no final da av. Paulista), notei um solitário dependente acendendo um cachimbo provavelmente contendo crack, sem nenhuma preocupação com os veículos ou transeuntes que por ali passavam, ansioso estava por botar a droga para dentro do corpo e acalmar o frenesi da dependência.
Solicitados a dar explicações, políticos e assessores utilizam-se das respostas padrões, como “muito se tem feito…”, “a prefeitura sozinha não consegue…”, ou “estamos trabalhando duro nesse sentido…”. Será?
Um mercado próspero
O Brasil há tempos deixou de ser um trampolim entre o mercado produtor de drogas e o seu mercado consumidor. De acordo com dados levantados pela Universidade Federal de São Paulo, atualmente o país possui cerca de 2,6 milhões de usuários de cocaína, o que o coloca em segundo lugar na lista dos países com maior consumo, perdendo somente para os Estados Unidos. Um terço desses usuários é dependente do crack e em sua maioria no Sudeste (45%). O Nordeste contribui com 27%, o Norte e o Centro-oeste juntos com 10% e o Sul com 7%.
Existem vários motivos para o aumento vertiginoso do número de dependentes, como a proximidade dos países produtores – Colômbia, Peru e Bolívia, a grande rede de distribuição com pequenos traficantes, um sistema corrupto que envolve desde membros da polícia até altas patentes da justiça, e, principalmente, o baixo custo da droga para o consumidor final. Para se ter ideia, no Brasil a droga é comercializada a um décimo do valor praticado nos Estados Unidos e um vigésimo do preço cobrado na Europa. Nessas condições, fica impraticável conter o ímpeto do vício no país.
O cachimbo da morte
O crack é uma mistura de pasta de cocaína, bicarbonato de sódio e água. Esse conjunto de elementos transforma o produto final – as pedras – em um grande vilão para os neurônios, muito mais perigoso do que a cocaína pura, normalmente inalada pelo nariz.
Quando a cocaína é queimada em alta temperatura na forma de pedras é liberado um éster de nome Aeme que provoca a morte dos neurônios por um processo denominado apoptose (núcleo da célula se fragmenta e é fagocitado pelas células de defesa do organismo).
Fo o que revelou o estudo realizado com ratos pela pesquisadora Tania Marcourakis da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP. Ela e sua equipe observaram que os neurônios expostos ao Aeme por um período de 48 horas sofrem um efeito neurotóxico muito grande, fazendo com que morram.
Deduz-se que a morte massiva cerebral de dependentes do crack esteja estritamente relacionada à alta freqüência do consumo, uma vez que os efeitos dessa droga atingem rapidamente o cérebro causando uma sensação de curta duração, o que pede novo consumo num pequeno espaço de tempo, consolidando-se num processo recorrente.
Assim, se a cocaína já era uma velha conhecida assassina de neurônios dos cérebros consumistas, o crack tem se mostrado muito mais agressivo e contundente, principalmente para uma camada da população mais pobre, cujo acesso se torna muito provável.
Publicado na edição nº 9816, dos dias 12 e 13 de de março 2015.