A biologia do terror

0
539

Judith Miller, Stephen Engelberg e Willian Broad, todos jornalistas do New York Times, investigaram detalhadamente a história das armas biológicas no século XX. O resultado talvez esperado, mas não menos surpreendente, mostra até onde foram as pesquisas de países como os Estados Unidos e União Soviética. Se quisermos utilizar uma única palavra para resumi-lo, poderíamos citar essa: aterrorizante.

A natureza fatal

A humanidade tomou conhecimento sobre os efeitos do poder destrutivo dos microorganismos da pior forma possível: através da morte de seus indivíduos. Talvez tenham existido fatos anteriores, mas aquele ocorrido em meados do século XIV jamais será esquecido pelas populações da China, Ásia e Europa. No início de 1330, a China, então uma grande nação comercial, foi tomada por uma epidemia que dizimou boa parte de sua população. Como era freqüentada por comerciantes europeus que lá vendiam e compravam especiarias diversas, logo a epidemia chegou à Ásia, rota dos comerciantes, e à própria Europa, especificamente ao sul da Itália. Por volta de 1347 e 1348, grande parte da Europa já estava tomada pelo que diziam ser a peste negra. O cataclismo foi geral na época, pois a morte anunciada não tinha rivais. A medicina medieval pouco podia fazer e restava às pessoas apenas rezar.

Imitando a natureza

Os EUA já foram um grande produtor de microorganismos com objetivos militares. Diz a história que na década de 1960 foi criado um plano nomeado Marshall para derrubar o ex-presidente de Cuba, Fidel Castro. A idéia do plano era realizar um ataque biológico aos militares e à população cubana, que os deixariam incapacitados para reagir a uma invasão americana à ilha.
Por volta dos anos de 1980 no governo Reagan, foi produzido um gene virulento e extremamente letal ao ser humano chamado INV, de invasão. Para conseguir tal gene, pesquisadores americanos inseriram no DNA da E. Coli, um gene da Yersinia pseudotuberculosis, parente da bactéria da peste bubônica. Inúmeros testes foram realizados não só com animais, mas em voluntários humanos. Chegaram a espalhar bactérias nos metrôs de Nova York e São Francisco com objetivo de analisar a rapidez do contágio em centros urbanos.
Num evento bem mais recente, especificamente em 2001, cartas contendo esporos da bactéria Bacillus anthracis foram enviados a órgãos de imprensa e líderes políticos dos EUA. Como conseqüência, algumas pessoas que receberam as correspondências morreram e a população do país ficou em estado de alerta face ao perigo iminente, embora até hoje não se saiba, conclusivamente, quem foram os reais responsáveis pelo ataque.
A antiga União Soviética, por sua vez, não ficou atrás: durante a Guerra Fria produziu toneladas de armas biológicas que continham o antraz, a varíola e a peste com versões geneticamente modificadas, ou seja, com poder destrutivo potencializado.
Em tempos recentes outras nações e facções também enveredaram por esse caminho óbvio, o que a princípio eleva o grau de atenção mundial a um perigo iminente, principalmente devido a muitas delas não agirem sob a égide da razão (se é que ela existe nesse meio), mas simplesmente por idealismo ou fé fundamental.
Em 2011 chegou ao Brasil o livro Cobaias Humanas, do pesquisador Andrew Goliszek, no qual conta como as agências de inteligência americanas manipularam parte da própria população daquele país em testes de modificação de comportamento e controle da mente, executando procedimentos secretos com vários tipos de drogas sem o conhecimento público ou prévia autorização das agências reguladoras de saúde. Ética zero no caminho da promoção de produtos, na queda de governos e na elevação de ações de empresas específicas.

Humanidade, onde?

Parece-nos que na era do DNA recombinante, da engenharia genética e da biologia molecular, o mundo está cada vez mais se destituindo de qualidade moral, focado e entretido no mito do progresso absoluto. Mal sabemos a origem dos alimentos que ingerimos. Mal conhecemos os efeitos a longo prazo dos medicamentos de que fazemos uso hoje. Será que estamos nos transformando em verdadeiras cobaias humanas, como no livro de Goliszek? Será que estamos perdendo a consciência crítica de prever e provisionar o futuro, característica inegável que nos diferencia absolutamente dos outros animais?
Afinal, para onde caminha a humanidade?

Publicado na edição nº 10068, de 8 e 9 de dezembro de 2016.