A longa história do homem, desde o seu surgimento como um ser pensante até os dias atuais, nos tem revelado inúmeros conflitos, ora contidos em sua própria existência, ora explícitos no ambiente em que vive.
A ciência e a religião por diversas vezes já foram atores polêmicos e díspares dessa história, e nada garante uma futura união de paz e tranquilidade. A evolução constante do homem em um ambiente democrático propicia, e às vezes induz, divergências de pensamentos e credos, uma característica inerente à própria sociedade.
Nessa visão dicotômica, dois sujeitos vêm travando uma batalha, às vezes árdua, às vezes tênue, mas sempre polêmica, que envolve todos os segmentos sociais. Não são novos sujeitos e nem a batalha é recente. Trata-se do evolucionismo e do criacionismo.
O evolucionismo tornou-se uma teoria com base concreta após 1859, época em que Charles Darwin e Alfred Wallace publicaram um artigo em conjunto sobre a seleção natural. A teoria trata explicitamente da evolução das espécies, da qual se destacam dois conceitos importantes para a biologia: a adaptação e a diversidade.
Já o criacionismo, termo cunhado no início dos anos de 1960 e declarado oficialmente como religião em 1981 por uma corte federal dos EUA, tem como pano de fundo os fundamentalistas protestantes que acreditam na veracidade absoluta da bíblia cujo foco trata da narrativa da criação do homem. Se Deus primeiro criou um boneco de barro e depois insuflou-lhe a vida, é porque foi isso mesmo o que aconteceu, dizem os criacionistas.
A polêmica
Entendem a confusão? O homem, na visão dos evolucionistas, surgiu pela “evolução” de um único ser unicelular que se diversificou durante milhões e milhões de anos dando origem a todos os seres hoje existentes na face da Terra. Já pelo pensamento criacionista o homem foi criado por Deus num rápido lapso de tempo e ponto final. Como poderiam essas duas visões de criação se entender?
Para alguns filósofos e historiadores a divergência entre os sujeitos extrapola o conflito maior entre ciência e religião: resume-se a pontos de vista diferentes. Para os cientistas, o criacionismo não passa de uma grande bobagem que coloca o homem de volta ao obscurantismo medieval e deve ser combatido a todo custo.
De fato, a inevitável evolução da ciência, principalmente nos séculos XIX e XX colocou por terra alguns dos mais tradicionais dogmas cristãos, deixando órfãos milhões de fieis em todo o mundo. Para elucidar, cito apenas dois exemplos: um é o nosso tema de discussão, ou seja, o surgimento do homem pelo milagre do sopro divino; o outro é o milagre da transubstanciação. Ambos os milagres, perpetrados pela igreja por séculos, não são admitidos pela ciência por mais inconveniente que seja dizê-lo. Entretanto, vez por outra fundamentalistas indignados se veem no direito à palavra (o que é normal no espírito democrático) e provocam algum tipo de reação, como a polêmica que tomou conta do Rio de Janeiro, quando o governo daquele estado decidiu instituir aulas de ensino religioso em escolas públicas, ou na Argentina, onde foram proibidas aulas sobre o evolucionismo.
Luz para mentes fechadas
A ciência é dura! Não foi criada para confortar na hora da dor, nem para esconder fatos. Simplesmente foi criada para fazer com que o homem entendesse melhor a sua própria natureza e a natureza em que vive. Ela definitivamente não é uma substituta da religião, e enquanto isso não ficar claro para todos, os conflitos vão continuar existindo.
Entretanto, não é minimamente concebível que fanáticos com algum poder causem tanto estrago a determinadas comunidades a ponto de esconder-lhes teorias científicas como a teoria da evolução, a qual já foi corroborada até pelo papa João Paulo II em passado não tão distante. Por outro lado, também não é concebível que cientistas subam em seu trono e ignorem completamente a fé dos homens.
A única forma de se viver em equilíbrio é manter-se tolerante, com a mente aberta, mesmo discordando da opinião alheia.
Por que será que é tão difícil para o homem exercitar esse exemplo de liberdade e cidadania?
Publicado na edição nº 10009, de 14 e 15 de julho de 2016.