A escrita do conhecimento

Wagner Zaparoli

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As evidências arqueológicas dizem que o homem aprendeu a desenhar bem antes de aprender a escrever. Pinturas rupestres retratando a vida cotidiana estão espalhadas por cavernas e grutas em várias partes do mundo. A Europa está recheada delas, como é o caso da Caverna de Altamira na Espanha, onde figura o imponente e famoso bisonte.

O Brasil também contribui para enriquecer a história da arte rupestre. Seja no Piauí ou no Amazonas, essas pinturas ajudam a atestar a presença humana no continente há milhares de anos, como a Caverna das Pedras, descoberta no Amazonas em 1993. Por uma datação realizada pelo método do Carbono 14, estima-se que as pinturas ali dispostas tenham cerca de 12 mil anos de existência.

Mas, quando é que o homem passou a representar o seu cotidiano através da escrita? Como foi essa evolução?

O barro que fala

Durante a invasão da África em 1799, soldados de Napoleão encontraram uma pedra contendo um conjunto de letras e símbolos desconhecido de todos. Essa pedra foi batizada de Pedra de Roseta e por mais de vinte anos o texto nela escrito permaneceu como uma grande incógnita, sendo desvendado em 1822 pelo francês Jean-François Champollion, e em 1823 pelo inglês Thomas Young.

Há mais de 5 mil anos os sumérios utilizavam a argila úmida e o caule de caniço para registrar as suas informações num tipo de escrita chamado cuneiforme. Embora a Pedra de Roseta não seja exemplo vívido dessa técnica (já que a escrita da pedra data de 196 a.C.), ela serve para indicar o alvorecer da sistematização do homem para exprimir um pensamento, narrar um fato ou simplesmente armazenar alguma informação na forma escrita.

Papiro e pergaminho, o caminho para o sucesso

Na mesma época em que os sumérios sujavam suas mãos de barro, os egípcios criavam um processo mais sofisticado para registrar as palavras e os símbolos. Tratava-se do papiro, hoje conhecido mundialmente em função das escavações históricas e do fluxo intermitente de turistas a essa região da África.

A folha do papiro era obtida a partir do caule da erva aquática chamada caniço. Entrecruzando e colando lâminas finas das fibras desse caule, era possível obter uma folha suficientemente lisa e resistente.

Já no fim da antiguidade surgiu um outro artefato que aos poucos foi substituindo o papiro. Supostamente inventado na cidade de Pérgamo, Ásia Menor, por volta do século II a.C., o pergaminho era obtido das peles de animais como cabras, ovelhas e vacas. Embora oneroso, o pergaminho trazia inúmeras vantagens em relação ao papiro: era menos frágil, podia ser utilizado dos dois lados, permitia a correção de erros (pela raspagem do tecido) e possibilitava a encadernação. No ocidente, milhares de livros foram confeccionados utilizando-se folhas de pergaminho costuradas, principalmente pelas mãos de monges e religiosos que viviam enclausurados nos monastérios do início da Idade Média.

O papel e a glória da escrita

Tudo indica que foi a China a grande criadora do papel. Por volta do ano 105 um tal Ts’ai Luen, observando os insetos construindo os seus ninhos com fibras vegetais, embrenhou-se na criação de um elemento em que se pudesse escrever com tinta nanquim. O processo utilizado por Luen era mais ou menos assim: primeiro prepara-se uma mistura de casca de tronco, velhas cordas de cânhamo, pedaços de tecido, cordões e palha de arroz, deixando-a se decompor. Depois, comprime-se o material e dilui-se em um grande volume de água, peneirando-se em seguida, para na sequência secar. Eis então algo parecido com o que conhecemos hoje como papel.

Da China, a produção do papel chegou ao Japão e ao Oriente Médio, mais precisamente em Bagdá. Dali, por intermédio da Espanha mulçumana, o papel chegou finalmente à Europa, isso no século XII.

Diversos países daquele continente começaram a melhorar o processo de fabricação do papel utilizando a força hidráulica para prensar a pasta. Concomitantemente, atividades especializadas foram criadas para contemplar a complexidade de produção, como o abridor, o servidor, o estendedor e o colador.

Papéis com excelente qualidade começaram a surgir e obras magnificamente ilustradas foram criadas. Mais moinhos para fabricação do papel foram sendo construídos ao ponto do pergaminho virar apenas parte da história. O ápice dos primórdios da criação e utilização do papel veio com a construção da prensa por Gutemberg e foi sensivelmente alimentado pelo Humanismo e pela Reforma. Dali em diante o consumo do papel só aumentou e, mesmo chegando ao século XXI como um produto substituível pela tecnologia, continua fazendo parte do cotidiano das pessoas incondicionalmente.

E sempre nos resta uma pergunta: será que um dia o papel para a escrita vai definitivamente deixar de existir, como a argila, o papiro e o pergaminho um dia o deixaram?

E para quem gosta de história, vale a pena passar os olhos pelo breve vídeo https://www.youtube.com/watch?v=9WON5wetaHU.

(Colaboração de Wagner Zaparoli, doutor em ciências pela USP, professor universitário e consultor em tecnologia da informação).

Publicado na edição 10.915, quarta, quinta e sexta-feira, 9, 10 e 11 de abril de 2025 – Ano 100