
O impacto da pandemia na vida brasileira será tema de inúmeros estudos e análises e surpreenderá os incautos como eu. Atento à desgraça das mortes, à crise das famílias, ao escancaramento da miséria e da invisibilidade, não procurei me inteirar de efeitos distanciados desse enfoque.
Um fenômeno que não pressenti, foi o crescimento da cirurgia plástica. Os mais respeitados cirurgiões plásticos já não dispõem de agenda para atender aos interessados. Algo inesperado e, de certa forma, incrível.
A explicação dos observadores é de que o uso intensivo das vias virtuais despertou nas pessoas uma autocrítica muito atilada. Os sinais estampados na face, percebidos pelo próprio interessado, mas também por aquelas caridosas pessoas que dizem: “Como você mudou!”, causam dissabor, mas também vontade de corrigir as marcas adquiridas por quem não morreu.
As falhas que o tempo vai deixando nas faces experientes leva os cuidadosos com a estética a contratarem serviços do único profissional da medicina que responde pelos resultados. Ou seja, médico e advogado são pessoas que exercem atividade de meio. Não podem prometer qualquer sucesso final, o que nem sempre é bem compreendido pelos clientes.
Como explicar a subida preocupação com a estética, no momento em que o Brasil já perdeu quase meio milhão de almas?
A estetização pode ser uma espécie de fuga ao desespero que a tragédia da pandemia, agravada pela desfaçatez da desinformação, causaria nas consciências mais sensíveis, não encontrassem um derivativo.
Isto faz recordar episódios como o célebre baile da ilha fiscal ou a resposta atribuída a Maria Antonieta, pouco antes da deflagração da Revolução Francesa. O baile do Titanic e as festas de “Morte em Veneza”.
O aspecto interessante é o fortalecimento da medicina, em setor que não submete os liberais à estafa e à angústia das UTIs e da responsabilidade de atestar óbitos de semelhantes de todas as idades, roubados ao convívio e sacrificados por falta de vacinas, que foram recusadas por desnecessárias. Afinal, era uma gripezinha!
(José Renato Nalini é Reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e Presidente da Academia Brasileira de Letras – 2021-2022.)
Publicado na edição 10.589, de 30 de junho a 2 de julho de 2021.