
Não é de hoje que a discussão sobre a origem da vida se faz acalorada nos corredores do cotidiano. Quem dentre nós, não gostaria de entender a gênese da vida? E nesse embalo, uns defendem com fé inabalável os sete dias de criação divina; outros, embasados na voz da razão científica, defendem uma origem mais pragmática, mas não menos complexa e ainda indefinida. Como essa coluna tem relação estreita com a ciência, peço licença aos leitores de fé para discutir uma teoria que vem tomando fôlego nos últimos tempos, justamente pelas explorações espaciais que o homem tem realizado junto aos cometas. Essa teoria leva o nome de Panspermia, que traz a idéia da origem da vida “fora” da Terra.
Do espaço para a Terra
Em contraposição à teoria da Geração Espontânea, defendida por inúmeros filósofos, físicos e matemáticos como Aristóteles, Santo Agostinho, Descartes e Newton, a Panspermia também formou opinião entre os grandes. Um dos mais ilustres defensores dessa teoria foi Anaxágoras, filósofo grego que viveu no século IV a.C..
Enquanto a Geração Espontânea advoga que a vida, como conhecemos, surgiu aqui mesmo na Terra a partir dos elementos químicos que deram origem ao planeta, a Panspermia diz que a vida surgiu a partir de “sementes” aqui plantadas pelos cometas que num passado distante atingiram a Terra. Isso nos remete a uma pequena ironia sobre a criação e a extinção da vida na Terra: num momento os cometas trouxeram vida a Terra; num outro, a exterminou (como foi o caso dos dinossauros, cuja teoria ainda não foi comprovada).
Fundamentos da teoria
Sir Fred Hoyle (já falecido) e o Professor Chandra Wickramasinghe, dois eminentes astrofísicos de instituições britânicas, começaram a desenvolver a moderna teoria Panspermia a partir de 1974. Uma de suas características básicas afirma que a matéria interestelar contém formas primitivas de vida. Isso significa dizer que o universo está povoado de “esporos da vida”, os quais chegaram ao nosso planeta através de “cegonhas siderais” como os cometas e asteróides.
Tal teoria tem despertado atenção de cientistas ultimamente, devido a descobertas como a matéria orgânica (hidrocarbonatos e aminoácidos) encontrada em meteoritos, ou às observações de raios infravermelhos vindos de estrelas e nuvens de poeira. Tais raios têm a aparente assinatura de bactérias comuns na Terra, como a Escherichia coli. Seria apenas uma mera coincidência?
Missões espaciais
A Agência Espacial Americana – NASA – projetou duas missões para verificar as possibilidades de vida fora da Terra: Stardust e Rosetta.
A missão Rosetta foi lançada ao espaço em 2004 e está fazendo uma longa viagem de dez anos ao encontro do cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko, quanto fará um estudo de mapeamento de sua estrutura e pesquisas em sua superfície. Vamos ter que aguardar até o final de 2014 para verificar os resultados.
Já a missão Stardust foi lançada em 1999 com o objetivo de interpelar o cometa Wild 2. O fez em 2004 e em 2006 as primeiras amostras chegaram à Terra para análise. Os resultados, até então, se mostram extremamente promissores. De acordo com Jamie Elsila, pesquisadora do Centro Aeroespacial Goddard da NASA, foram descobertos aminoácidos chamados Glicina que servem para formar proteínas, uma das mais importantes moléculas da vida, usadas em estruturas como o cabelo e até em catalisadores que aumentam ou regulam as reações químicas.
Reflexões e dúvidas
De acordo com Carl Pilcher, diretor do Instituto de Astrobiologia da NASA, a descoberta de glicina num cometa suporta a idéia de que os principais blocos da vida são prevalentes no espaço, e reforça o argumento de que a vida no Universo pode ser comum em vez de rara. Também evidencia as capacidades dos estudos, em laboratório, dos materiais extraterrestres primitivos. Em um futuro próximo teremos os resultados da missão Rosetta, que poderá confirmar ou não as constatações reveladas pela Stardust.
Não há dúvidas de que missões como estas são muito bem vindas para o esclarecimento da origem da vida na Terra, mas ainda que fosse comprovada a Panspermia, ainda assim, restaria uma grande dúvida em nossas mentes: como então surgiram os “esporos da vida” no meio interestelar?
A resposta, parece-nos, reside em um capítulo ainda longe de ser escrito pela ciência.
(Colaboração de Wagner Zaparoli, natural de Bebedouro, doutor em Ciências pela USP, mestre em Ciência da Computação, professor de lógica e consultor. E-mail: [email protected]).
Publicado na edição nº 9620, dos dias 7 e 8 de novembro de 2013.