Foi com muita expectativa que Bebedouro recebeu Belén de Sárraga em meados de 1911, pois sua vinda fora intensamente divulgada desde o mês de maio, após ser convidada a incluir a cidade no extenso roteiro que faria pelo interior paulista.
Não era por menos, pois naquele início de século não era comum o envolvimento público das mulheres em movimentos sociais e intelectuais, principalmente naqueles que questionavam o sistema vigente, marcado pelo conservadorismo e forte influência religiosa.
Belén de Sárraga nascera na Espanha em 1873 e após a formação escolar, estudou medicina em Barcelona, onde iniciou a vida pública defendendo as bandeiras do Livre Pensamento, da República e do anticlericalismo, em um país predominantemente tradicionalista, monárquico e católico, o que lhe resultou muitas perseguições.
O movimento filosófico denominado “Livre-Pensamento”, surgiu na Europa no século XIX, como decorrência do iluminismo, tendo a ciência e a razão como base para o entendimento do mundo. No contexto da época, tais ideias estavam em conformidade com o que era defendido pela Maçonaria, o que facilitou para que houvesse uma aproximação de Sárraga com esse movimento.
O casamento com um maçom em 1894, possibilitou que anos depois Sárraga fosse iniciada na Loja Maçônica “Severidad”, de Valência, filiada à Maçonaria Francesa de Adoção, que aceitava o ingresso de mulheres.
Nas duas primeiras décadas do século XX, com o intuito de divulgar suas ideias, viajou para vários países da América Latina, incluindo Argentina, Chile, Uruguai, México e Cuba, entre outros.
Esteve no Brasil em quatro ocasiões, nos anos de 1910, 1911, 1919 e 1931. Durante a estadia de 1911, no período de abril a agosto, visitou o Rio de Janeiro e São Paulo, além de dezenas de cidades do interior paulista, incluindo Bebedouro e outras da região, como Barretos, Pitangueiras e Jaboticabal, geralmente a convite da organização maçônica de cada localidade, realizando palestras sobre temas como “Livre Pensamento”; “Separação Igreja e Estado”; “A religião e a moral” e “A emancipação da mulher”, entre outros.
Proveniente da vizinha cidade de Barretos, onde obtivera muitas homenagens e atenções, além de ter feito uma conferência bastante elogiada, Belén de Sárraga foi recebida entusiasticamente na estação ferroviária de Bebedouro, na manhã de 19 de julho de 1911. Conforme extensa reportagem publicada em edição do “Jornal de Bebedouro”, o desembarque da “ilustre itinerante” foi uma verdadeira apoteose, enorme multidão a aguardava.
Estava acompanhada de seu secretário, Luiz Porta Barnabé, maçom, poeta e escritor; do major José Salviano Rodrigues de Carvalho, da Loja Maçônica de Jaboticabal; e do cel. João Carlos de Almeida Pinto, delegado do Grande Oriente Estadual e da comissão de recepção de Barretos. Ao desembarcar foi saudada pelo professor José Tonioli, que discursou em nome da comissão local e do Centro Hespanhol.
Na sequência, a conferecista foi acompanhada até o Hotel Ramos por um grande cortejo, formado pelo grande público que a recebera, tendo também a participação da banda de música “Internacional”, precedida pelas bandeiras espanhola e brasileira.
A conferência foi realizada à noite no “Bijou Theatre” que, segundo a reportagem, ficou totalmente tomado “pelas principais famílias da nossa sociedade e tudo que Bebedouro tem de intelectual”, além de moradores de cidades vizinhas.
Belén de Sárraga foi conduzida ao palco pelo advogado Bartolomeu Prado, que a saudou em nome da comissão organizadora local e da Loja Maçônica “Justiça e Amor”. A visitante recebeu buquês de flores das meninas Elsa Stamato e Farahilde Garcia, a quem agradeceu, dizendo estar “intimamente satisfeita por esta manifestação da mulher do futuro, representada naquelas duas crianças.”
Ao discorrer durante uma hora e meia sobre o tema “Religião e Moral”, Sárraga conseguiu impressionar o público presente, pela oratória e erudição que demonstrou possuir, tendo sido interrompida por salva de palmas por diversas vezes e “delirantemente aplaudida” ao concluir sua fala.
Terminada a conferência, Belén de Sárraga retirou-se para o hotel e na manhã seguinte seguiu para Monte Alto, dando sequência ao roteiro previsto. Conforme os registros, esta foi a única visita a Bebedouro e demais cidades do interior, pois nas duas ocasiões em que voltou ao Brasil novamente, realizou conferências somente na cidade de São Paulo.
(Colaboração de José Pedro Toniosso, professor e historiador bebedourense www.bebedourohistoriaememoria.com.br)
Publicado na edição 10.785, sábado a sexta-feira, 2 a 8 de setembro de 2023
