Na década de 1990, Caetano Veloso cantou que havia coisas fora da então nova ordem mundial. Quaisquer que sejam as interpretações possíveis da obra, admira-se que ao autor tenha sido possível, naquele recorte histórico, identificar a tal da “nova ordem mundial”, e concluir o que estava dentro ou fora dela. Atualmente, parece que vivemos um tempo em que sequer é possível saber o que é a ordem das coisas, tanto menos o que faz ou não parte dela. A reflexão vale, particularmente, para temas ambientais.
Em nível internacional, há, entre tantos assuntos, um constante cabo de guerra em torno da necessidade de se descarbonizar (leia-se, reduzir a emissão de gases de efeito estufa) atividades econômicas, em busca de um freio no constante aumento da temperatura média do planeta. Enquanto há líderes mundiais fazendo pouco caso de tais compromissos, outros países reforçam a importância de se buscar medidas de contenção.
Mais recentemente, e para ficarmos nos desafios do nosso próprio país, o noticiário tem destacado a votação do Projeto de Lei n° 2159, de 2021, que tem por finalidade alterar a forma como empreendimentos são analisados sob a ótica ambiental em todo o território nacional. Se aprovado, o Projeto criará lei aplicável a todos os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Até por isso o Projeto de Lei se autodenomina como Lei Geral do Licenciamento Ambiental.
Em linhas gerais, toda atividade econômica precisa de licenciamento, espécie de autorização da autoridade competente para que aquela prática seja realizada em conformidade com a lei. A depender do grau de utilização de recursos ambientais, e do potencial poluidor da atividade, esse licenciamento passa pelas autoridades ambientais. Em síntese, quanto maior o consumo de recursos naturais ou o potencial impacto ambiental que a atividade gera, maiores o rigor e as exigências burocráticas para obtenção da licença de operação ambiental.
Como era de se esperar em um projeto que tem a ambição de uniformizar os processos de licenciamento ambiental em um país tão diverso como o nosso, as reações foram acaloradas e diversas: para uns, o projeto da destruição do meio ambiente; para outros, uma lei desejada, que trará segurança jurídica para empreendedores que hoje estariam nas mãos de autoridades desinteressadas, presas a procedimentos burocráticos, lentos e imprevisíveis.
Infelizmente, contudo, a diversidade de pontos de vista e pensamentos não tem se materializado em discussões para o bem do interesse público. Mais uma vez temos visto posturas intransigentes, inflamadas e pouco receptivas a críticas de parte de diversos agentes envolvidos na elaboração e votação de tal importante projeto.
Mais uma vez entra em cena a famosa “pregação para convertidos”, em que os diferentes posicionamentos fazem mais do mesmo, repetindo para si os mesmos argumentos dos quais já estão convencidos, tornando os momentos de discussão inócuos na prática. A tirar pelas reuniões realizadas em setores do Congresso Nacional ao final do mês de maio, as rodas de debates parecem servir para uma única finalidade: querer agredir, desrespeitar e ofender o “adversário”.
Já é tempo de sair do simplista “Fla x Flu” (ou Corinthians x Palmeiras, para nós paulistas, se preferir) político-ideológico. O meio ambiente e o desenvolvimento clamam pelo melhor consenso possível, não raro diferente de posições extremadas. Não é diferente com o Projeto de Lei n° 2159, de 2021. Como tudo na vida, certamente o Projeto tem pontos positivos e outros negativos, que demandariam ajustes. Mas, ao que parece, o diálogo construtivo e democrático não faz parte da atual ordem das coisas.
(Colaboração de Gabriel Burjaili, bebedourense, advogado e professor).
Publicado na edição 10.927, quarta, quinta e sexta-feira, 4, 5 e 6 de junho de 2025 – Ano 100