
Um fato recente e polêmico tem ganhado as manchetes na imprensa. Trata-se do embate público entre o governo federal, personificado pelo Presidente da República, e o Presidente do Banco Central do Brasil (Bacen) a respeito da taxa de juros oficial do País.
O embate reside na pretensa discórdia entre ambos a respeito do que seria a taxa de juros Selic ideal para o momento da economia nacional. Atualmente em 13,75%, a Taxa Selic é definida em reuniões do Copom (Conselho de Política Monetária) a cada 45 dias, conselho este presidido pelo Presidente do Bacen e composto por economistas, profissionais e técnicos ligados ao órgão. No entendimento do Presidente da República, a taxa está muito elevada; para o Presidente do Bacen, trata-se de uma medida amarga, mas ainda necessária para o equilíbrio da economia nacional.
Em breves linhas, a Taxa Selic é utilizada como forma de fomentar ou esfriar a atividade econômica do Brasil. Em época de inflação baixa, há espaço para redução dos juros oficiais; por outro lado, em tempos de inflação elevada ou riscos sistêmicos, a Taxa Selic pode ser aumentada e mantida enquanto for necessário, para equilíbrio da economia e proteção do poder de compra da população.
No momento, em que há uma confluência de inflação elevada – não apenas no Brasil, mas no mundo – com riscos fiscais no horizonte em função de uma política mais gastadora do governo central, é importante que a Taxa Selic esteja calibrada suficientemente para que não ocorra disparada dos preços, nem retração demasiada de uma economia nacional já em estado letárgico.
Para o governo federal, é importante, do ponto de vista político e socioeconômico, que a economia esteja aquecida e pujante. Já para o Presidente do Bacen, é mandatório que a economia esteja sob controle e não entre em uma espiral inflacionária que, ao final das contas, prejudica muito mais os pobres.
No embate em curso, o Presidente da República deseja uma redução “na marra” da Taxa Selic, alegadamente para que a economia possa melhorar e o povo possa consumir mais e, o empresariado, possa investir com mais facilidade. Já o Presidente do Bacen entende que, por ora, é arriscado reduzir a taxa de juros, face aos dados que indicam uma inflação ainda persistente e pronta para se colocar com força na economia ao menor descuido.
O embate vai mais além, já que envolve questões mais profundas e não tão republicanas, tais como a velha mania de alguns políticos de eleger um bode expiatório para os problemas nacionais, como forma de se eximir da responsabilidade pelos problemas para os quais foram eleitos para lidar; a inconformidade de parte da esquerda nacional com a autonomia e mandato do Presidente do Bacen e todas as decisões e reflexos que decorrem dessa disposição legal; a eleição de um “inimigo comum”, preferencialmente “do mercado”, como único e exclusivo culpado pelas mazelas históricas do País; e a dificuldade de certos setores do PIB de enxergar as dificuldades cotidianas do brasileiro comum, que vê com preocupação o desemprego e a inflação de itens básicos para sobrevivência.
Fato é que uma redução “na canetada” da Taxa Selic, no momento e na medida errados, pode dar certo alívio momentâneo para a economia, mas gera problemas complexos no futuro, inclusive a possibilidade de estouro da inflação e todos os riscos a ele inerentes (já vimos esse filme na década passada). Por outro lado, uma Taxa Selic elevada além do necessário esfria a atividade econômica e prejudica a geração de empregos, a criação de riquezas e a circulação de dinheiro na economia real.
Nesse contexto, os embates públicos para a plateia devem ser evitados, e uma conversa honesta, dos pontos de vista fático e intelectual, devem ser o pano de fundo das discussões entre o governo federal e o Bacen autônomo, a fim de que o melhor caminho seja trilhado na definição da taxa de juros e no combate da velha, conhecida e perigosa inflação.
(Colaboração de José Mário Neves David, advogado e consultor. Contato: [email protected]).
Publicado na edição 10.735 – De sábado a sexta-feira, 18 a 24 de fevereiro de 2023