
Um dos efeitos das mudanças climáticas é a elevação do nível do mar. Derretem as calotas polares, o gelo é água e o mar avança. Isso já chegou ao Brasil e, em lugar de se enfrentar a crise de frente, com os remédios que todos conhecem, os governos adotam paliativas.
É preciso encarar as causas, não os efeitos. As causas do aquecimento global são a emissão dos gases produtores do efeito-estufa, o desmatamento e a excessiva produção de resíduos sólidos. A descarbonização caminha lentamente, porque envolve inúmeras questões. Erigiu-se uma civilização baseada no automóvel. A implementação dos modelos elétricos encontra barreiras criadas pelo próprio governo. Há uma taxação do carro elétrico superior à do carro em combustão. Quando o primeiro não emite CO2 e o segundo sim.
O desmatamento é um câncer que continua a corroer as entranhas brasileiras, qual metástase. Em todos os biomas. Inclusive na nossa Mata Atlântica, da qual existe mínimo resíduo, quase todo em mãos particulares. E a produção de lixo é próspera. Proporcional à falta de educação de qualidade, que faria com que a própria população cuidasse de seus descartes.
Mas o que é que algumas prefeituras de cidades da orla estão fazendo? Alargando as praias. Como se fosse fácil “brincar de Deus”. Fazer praias mais largas do que as que Ele nos ofertou.
Uma vez mais, os cientistas advertem: essa resposta à elevação do nível do mar é falaciosa. Draga-se o fundo do mar, que tem uma biodiversidade ainda ignorada até mesmo pela Universidade. Ali também repousam poluentes, cistos de algas que produzem a maré vermelha. O aviso foi dado. Alguém prestou atenção nele?
A maré vermelha tem acontecido com frequência no litoral brasileiro. É um fenômeno causado pela proliferação excessiva de algas, principalmente as espécies tóxicas. Muitos banhistas sofrem com o contato com essas algas. Tudo isso não tem motivado as municipalidades a repensarem o seu método de combate à elevação do nível do mar.
Aguarde-se desdobramento dessa história. Prejuízos para a pesca, prejuízos para a biodiversidade e, ao final, o mar voltará a retomar o que é seu. É colocar bandaid na fratura. Quem acha que dá certo?
Mulher, interiorana, engenheira
A Presidente do Crea para o triênio 2024-2026 é Ligia Marta Mackey, paulista de Rio Claro e a primeira engenheira a presidir o poderoso Conselho Regional de Engenharia e Agronomia em São Paulo.
Substitui o jovem engenheiro Vinicius Marchese, eleito Presidente do Confea, a confederação dos Crea’s estaduais. Essa entidade congrega no Estado de São Paulo trezentos e sessenta mil profissionais e noventa e cinco mil empresas. Em termos de Brasil, o número de engenheiros é análogo ao de advogados: cerca de um milhão.
Lembro-me sempre de uma observação de um industrial que, ao comentar o número excessivo de Faculdades de Direito no país, dizia que faltavam escolas de engenharia. Em sua opinião, “engenheiros fazem o Brasil ganhar dinheiro; advogados podem fazer o Brasil perder dinheiro”.
Espera-se bastante da Presidente Ligia, a primeira mulher a presidir o CREA em seus noventa anos de existência, responsável pela fiscalização das atividades profissionais nas várias modalidades da engenharia, da agronomia, das geociências e das atividades dos tecnólogos nessas áreas.
A proposta da Presidente Ligia é investir também na educação e, conforme declarou o Presidente do Confea, Vinicius Marchese, oferecer à sociedade respostas para a solução de problemas aparentemente insolúveis, mas que podem resultar do empenho desses profissionais das exatas, dos quais o desenvolvimento do Brasil tanto depende.
No momento em que as mudanças climáticas acenam com um cenário mais do que preocupante, é confortador verificar que o Crea pensa em criar alternativas que alavanquem a transição energética e façam com que o Brasil recupere o atraso e se engrene, no ritmo desejado, rumo à economia verde, que é economia circular e que precisa de logística reversa.
Auspicioso, ainda, constatar que uma carreira em que o domínio era exercido pelos homens, já conta com uma mulher lúcida, preparada, mas sensível às questões que, durante muitos anos, foram aparentemente negligenciadas, o que nos fez chegar a um estágio angustiante. Bons ventos sopram no Crea e que repercutam em outros setores.
(Colaboração de José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo).
Publicado na edição 10.846, quarta, quinta e sexta-feira, 22, 23 e 24 de maio de 2024