1924 não foi um ano fácil. No plano nacional, o movimento tenentista que havia eclodido no Rio de Janeiro em 1922, teve continuidade e em julho de 1924 estourou a Revolta Paulista, tendo ocorrido várias batalhas pelo controle da capital. Após a derrota dos revoltosos, estes se deslocaram pelo interior do Estado, causando pânico na população interiorana.
Além destas revoltas, o presidente Artur Bernardes recorreu a vários decretos de estado de sítio, tornando-o ainda mais impopular nas áreas urbanas. O quadro financeiro era de muita crise, pois as emissões de moeda realizadas pelo governo anterior, de Epitácio Pessoa, visando a valorização do preço do café, resultaram em desvalorização cambial e aumento da inflação.
Neste contexto, os municípios do interior paulista também sofreram muitos reflexos. Em Bebedouro, no campo político, o outrora hegemônico Partido Republicano Paulista vira surgir no ano anterior um grupo oposicionista, que se aglutinara no recém-fundado Partido Republicano Municipal. Desta forma, enquanto antigas lideranças como o Cel. João Manoel, Cel. Conrado Caldeira e dr. Pedro Pereira procuravam manter o controle político, o novo partido conseguiu reunir nomes de expressão como Cel. Raul Furquim, Cel. Abílio Alves Marques e o capitalista Valentin Silva.
Em fevereiro daquele ano ocorreu eleição para cargos a senador e deputados federais. Em Bebedouro, dos 647 eleitores que compareceram às urnas, 310 pertenciam ao Partido Republicano Municipal, ou seja, quase a metade do eleitorado (cerca de 48%) votou com a oposição.
À frente do Executivo municipal, Antônio Alves de Toledo iniciava sua trajetória de cerca de doze anos como prefeito. Em suas memórias publicadas em 1968, Toledo reservou um capítulo para registrar os desdobramentos do “Movimento Revolucionário” ocorrido em julho daquele ano.
Além de mencionar o enfrentamento contra um grupo de bandoleiros “provenientes do lado do Frigorífico Anglo”, os quais “sofreram um grande revés e desapareceram em debandada”, Toledo comentou sobre “um movimento estranho na cidade para reivindicar da Prefeitura o tabelamento dos preços dos gêneros de primeira necessidade.” Apesar do tabelamento ter sido aprovado pela Câmara, os revoltosos continuaram com os ânimos inflamados e ameaçavam invadir o Paço Municipal, o que felizmente não ocorreu.
Afora tais percalços, com cerca de 29 mil habitantes, Bebedouro tinha as mesmas características das demais cidades interioranas da época, embora vivenciasse uma fase de crescimento, proporcionada pelos recursos gerados pela cafeicultura. Conforme publicado no “Almanak Laemmert” do ano de 1924, entre os estabelecimentos comerciais e industriais existentes, vários se dedicavam ao café, incluindo exportadores (11), máquinas de beneficiamento (4), torrefações e moagens (2).
Além destes, havia boa diversidade de lojas que ofereciam produtos como armarinhos e fazendas (11); calçados (21); chapéus (8); ferragens (4) e secos e molhados (49). No campo industrial, cerca de trinta estabelecimentos de pequeno porte, a maioria voltada para atender apenas o mercado local, como fábricas de calçados (4), bebidas (2); curtumes (2); serralherias (7); funilarias (4) e madeireiras (3).
Dispunha de profissionais liberais como advogados (10), dentistas (4), engenheiros (4) e médicos (6); trabalhadores autônomos como alfaiates (12), barbeiros (12), carpinteiros (7), costureiras (9), fotógrafos (3) e tintureiros (2).
Havia quatro agências bancárias e no campo fiscal, jurídico e policial possuía diversas repartições federais e estaduais. Na religião o predomínio era do catolicismo, tendo o padre Francisco Garaud à frente da única Paróquia, cuja Igreja Matriz ainda estava em construção. Existia ainda a Igreja Presbiteriana e o Centro Espírita do Calvário ao Céu.
Na área de serviços, entre outras, havia a Empresa Telefônica, a Elétrica e as ferroviárias, Cia. Paulista e São Paulo-Goiás. Quanto à instrução pública, além do Grupo Escolar, várias escolas isoladas na área rural, e algumas escolas particulares, incluindo o recém-inaugurado “Ginásio Luso-Brasileiro”.
Até o início do mês de junho de 1924, circulavam dois periódicos: o situacionista “Jornal de Bebedouro”, órgão de apoio ao Partido Republicano, e o oposicionista “A Vanguarda”, vinculado ao Partido Republicano Municipal. Foi neste cenário que em 6 de junho surgiu a “Gazeta de Bebedouro”, iniciando uma trajetória marcada pelo incessante registro de fatos que se tornaram história. Em 2024, ao completar cem anos de existência, podemos afirmar que a Gazeta se configura como um patrimônio histórico desta cidade.
(Colaboração de José Pedro Toniosso, professor e historiador bebedourense www.bebedourohistoriaememoria.com.br)
Publicado na edição 10.848, de quinta a terça-feira, 6 a 11 de junho de 2024 Ano 100