Berrar até que acordem

José Renato Nalini

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Carlos Nobre é o mais famoso cientista brasileiro e é um otimista. Mas ele alerta que a crise climática é muito pior do que as previsões dos cientistas. Estes, afeiçoados à linguagem técnica, foram tímidos ao prever o futuro que já chegou. Disseram que o El Niño faria com que a temperatura chegasse a 1,3ºC acima dos níveis pré-industriais. Mas a temperatura global ultrapassou bastante esse limite.

Todos os meses, desde junho de 2023, a temperatura aumenta. A cada mês, quebram-se recordes. Agosto foi o mês mais quente já registrado. Antes disso, só no último período do interglacial, há mais de cento e vinte mil anos atrás. Isso multiplica os eventos climáticos extremos. Isso traz como consequência as ondas de calor, seca, estiagem, chuvas intensas, incêndios florestais. A maldade humana colabora, ateando fogo em lavouras e em mata nativa.

Nada parece alarmar os governos. O desmatamento continua. A autoridade climática, ninguém sabe exatamente o que significa, já suscita ciumeira e briga pelo poder de integrantes de uma gestão que deveria trabalhar harmonicamente. A poluição aumenta, o desperdício também, os veículos movidos a veneno – não é outra coisa o combustível fóssil – e ainda se fala em explorar petróleo na foz do Amazonas.

Quanta insensatez no momento em que o mundo corre maior perigo! Se ainda a população se convertesse e, consciente de que o que está em jogo é a própria sobrevivência da humanidade, resolvesse cobrar do Poder Público uma atitude compatível com os riscos do desastre iminente, haveria um resquício de esperança.

É urgente a leitura de “A terra inabitável”, de David Wallace-Wells, “Arrabalde”, de João Moreira Salles, reler “A Primavera Silenciosa”, de Rachel Carson. Prestar atenção nos apelos de António Guterrez, o desesperado líder da ONU, que não cessa de implorar a atenção de todos diante do desastre derradeiro que se aproxima a ritmo acelerado.

Para os angustiados, incluídos os cientistas, todos estressados e deprimidos, resta berrar, clamar, gritar, pedir socorro para a Terra indefesa, até que a sociedade acorde. Mas acordará a tempo?

Só os artistas enxergam

O desastre que já chegou à Terra e que mostra a palpável realidade do desaparecimento de qualquer espécie de vida, tamanha a insensatez perpetrada contra a natureza, não desperta os políticos, nem os empresários, nem os demais poderosos.

Apenas algumas almas sensíveis são capazes de detectar a dimensão da desgraça. Por isso, resta apelar para os poetas, para os filósofos, para os escritores, para os fotógrafos, pintores, artistas plásticos, grafiteiros, músicos, intérpretes e outros humanos providos desse especial talento para detectar o que a fatia rude do “sapiens” não é capaz de enxergar, que façam um esforço para salvar o planeta.

Muitos já estão fazendo isso, assim é a ArtBO, a feira de arte na Colômbia que expõe pinturas, desenhos, vídeos e instalações nessa Feira Internacional de Arte de Bogotá. Ali se pode enxergar o verde das árvores, folhas, flores, a beleza luxuriante que está desaparecendo.

Selvas figurativas de Tatiana Arocha, os rios em grafite de Santiago Reyes, a vegetação aquática de Brenda Cabrera, as árvores de arame de Luis Fernando Pelaez.

O questionamento da exposição é a crise ambiental. E o Brasil deveria, neste momento dramático em que arde em chamas, em que a água vai acabando, a poluição aumentando e o volume de resíduos sólidos crescendo de forma desmesurada, congregar os seus artistas e fazer manifestações que chegassem à consciência da população.

A sociedade civil não tem exigido do governo, que existe para servi-la, uma atitude responsável diante dos descalabros intensificados. Não é possível entregar este país, que já foi considerado “promissora potência verde”, e que foi reduzido a “pária ambiental”, ao final melancólico de uma terra devastada, imprópria para a vida, um grande deserto onde será quase impossível a persistência de qualquer espécie de existência viva.

Os artistas já estão sofrendo com a emergência ambiental, que afeta a todos, mas principalmente aos mais frágeis, vulneráveis, excluídos, carentes, pobres e enfermos. Idosos e crianças, as vítimas preferenciais. Só a arte pode sacudir a mentalidade inerte e passiva que apenas observa a tragédia, como se ela não lhe dissesse respeito.

Unamo-nos, artistas, pensadores e seres sensíveis. Tentar evitar a catástrofe, cuja chegada é evidente e só os irresponsáveis é que não a pressentem.

(Colaboração de José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo).

Publicado na edição 10.889, quarta, quinta e sexta-feira, 20, 21 e 22 de novembro de 2024 – Ano 100