Breves reflexões sobre o famigerado sistema tributário brasileiro

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José Mário Neves David

O Brasil é hoje um país campeão. Não apenas pelas conquistas obtidas pelos nossos atletas nos Jogos Olímpicos, mas também em função da complexidade e do peso da tributação existentes em nosso país, competição esta em que somos quase imbatíveis se comparados às demais nações.
São cerca de 40 tributos federais, 5 estaduais e 10 municipais atualmente existentes no ordenamento jurídico e que são exigidos dos brasileiros e das empresas que em nosso país desempenham suas atividades. Referidos tributos podem corresponder aos conhecidos Imposto sobre a Renda (“IR”) e Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (“ICMS”), bem como podem aludir aos incógnitos Taxa de Fiscalização de Estabelecimentos e Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (“CIDE”).
Praticamente todas as atividades produtivas e comerciais realizadas no Brasil são atingidas pela tributação. Fez compras no supermercado? Quase metade do valor pago corresponde ao recolhimento de tributos. Vendeu um terreno? 15% do montante que exceder ao valor da aquisição será devido. Produziu suco de laranja? Cerca de 30% do valor de saída do produto irá para o governo. Um chopinho para relaxar? 62% do preço cobrado não ficará no bar.
Se analisarmos a arrecadação decorrente da tributação no Brasil em 2015, que pela primeira vez superou a marca de R$ 2 trilhões (o que correspondeu a 33% do Produto Interno Bruto do país no período), verificaremos que o brasileiro trabalhou, em média, quatro meses do último ano apenas para pagar tributos. Do total pago, aproximadamente 66% foi destinado à União, 28% aos Estados e 6% aos Municípios (o Distrito Federal tem participação nas arrecadações estaduais e municipais), sendo que os tributos com maior arrecadação foram o ICMS, as Contribuições Previdenciárias e o IR, nesta ordem.
Não bastasse a considerável quantidade de tributos hoje existentes – e o peso destes no bolso dos contribuintes –, estudos recentes do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (“IBPT”) indicam que mais de 700 normas tributárias são editadas diariamente no Brasil pela União, Estados, Municípios e Distrito Federal, o que perfaz a surpreendente marca de 5,2 milhões de legislações de natureza tributária editadas desde a promulgação da Constituição Federal de 1988. É isso mesmo que você leu.
E para que servem os tributos arrecadados? Em breves linhas, os valores obtidos pelo Poder Público do patrimônio dos contribuintes têm duas funções principais: (i) a manutenção da máquina administrativa (função fiscal), isto é, a construção de hospitais, o pagamento de servidores públicos, o recapeamento asfáltico, dentre inúmeras outras destinações, e (ii) a intervenção na economia (função extrafiscal), de modo a prover equilíbrio macroeconômico e social ao país, como por exemplo na imposição de alta tributação sobre a produção e comercialização de cigarros (que geram problemas de saúde pública) e na tributação majorada aplicada aos investimentos de caráter meramente especulativo.
A análise destes dados nos conduz a algumas reflexões: (i) muito embora a arrecadação tributária seja elevada se comprada à riqueza gerada com a atividade econômica, a população brasileira como um todo não recebe serviços públicos de qualidade em contrapartida aos valores repassados ao Erário, o que explicita um problema de gestão de recursos, e não necessariamente da falta deles, (ii) Os custos da máquina pública no Brasil são elevados, e quem os sustenta são todos os brasileiros, (iii) a tributação no país, focada no consumo, é injusta, vez que atinge ricos e pobres com a mesma intensidade (a aquisição de um pacote de bolachas possui a mesma tributação para ambos), de modo que uma carga tributária alta penaliza mais aqueles com menores ganhos financeiros, e (iv) a elevada quantidade de legislações e obrigações tributárias enfrentadas pelas pessoas físicas e jurídicas brasileiras consome um precioso tempo e uma fatia considerável de seus ganhos, que poderiam estar sendo direcionados para novos projetos e investimentos.
Dessa forma, uma eventual reforma e simplificação do sistema tributário, que há muito vem sendo discutida no Brasil, aliada a uma gestão eficiente das receitas advindas do poder de tributar poderiam contribuir sobremaneira para o fomento da atividade econômica e produtiva nacional e para o aumento da qualidade de vida da população, que teria acesso a melhores serviços oferecidos pelo Poder Público. Que nossos legisladores e governantes estejam atentos a essa questão.
(Colaboração de José Mário Neves David, advogado em São Paulo. Contato: [email protected]).

Publicado na edição nº 10027, de 25 e 26 de agosto de 2016.