
Como quase tudo na vida, as coisas têm seu lado bom e seu lado mau. Chuva, por exemplo, é saudável para a vegetação e para renovar o abastecimento de água dos reservatórios, córregos e aquíferos. Mas também pode matar as pessoas. Quantas não são levadas pela correnteza nas grandes precipitações pluviométricas? Mas também existem os deslizamentos, as erosões, as destruições de estruturas frágeis, que são aquelas habitadas pelos mais carentes.
Essa chuva assassina tem se intensificado em virtude das mudanças climáticas geradas pelo aquecimento global. Pode parecer menos importante do que as mortes causadas pela pandemia, um episódio excepcional e que não foi bem administrado. Mas foram mais de quatro mil mortes – mais exatamente, foram quatro mil, cento e onze óbitos no Brasil. Uma média de 1 a cada 3 dias, em virtude de alagamentos, enxurradas, inundações, movimento de massa, tornado, vendavais, ciclones. Dessas mais de quatro mil mortes, mil quinhentas e onze ocorreram no Rio de Janeiro. Isso foi apurado e comprovado pelo Atlas de Desastres no Brasil, do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional. E o ano de 2023 ainda não entrou na conta. Nem se diga que foi um ano sem tragédias.
Em fevereiro, as chuvas de 18 e 19 atingiram São Sebastião e causaram deslizamentos, principalmente na Barra do Sahy, o que ocasionou a morte de sessenta e quatro pessoas.
São Paulo tem, como programa da Secretaria Executiva das Mudanças Climáticas, o PPCV – Plano de Prevenção de Chuvas de Verão. Toda cidade precisaria contar com algo semelhante. Pois tudo indica a intensificação de ocorrências, quais os fenômenos extremos, hoje quase a fazer parte do que a narrativa chama de “novo normal”.
Aquilo que tem acontecido por culpa nossa – a omissão no trato da natureza – talvez não possa vir a ser eliminado. Mas, à impossibilidade de reverter o quadro dramático do planeta, é possível mitigar os seus efeitos. Há soluções macro, como drenagens, piscinões, retificações, obras de infraestrutura. Mas há soluções micro, que muitos heróis anônimos praticam discreta, mas eficazmente.
Se a humanidade for detentora de uma parcela adicional de juízo, que tem faltado há séculos, ela poderá deixar de chamar a chuva de assassina.
Um bom começo
A percepção de que os concursos públicos replicam a vulnerabilidade da escola brasileira, que prioriza a memorização em detrimento das habilidades socioemocionais, chega lentamente, mas pelo menos se faz presente. Tanto assim, que o CNJ estabeleceu um exame prévio, para que todos os interessados em ingressar na Magistratura sejam aprovados nessa prova preambular.
De idêntica forma, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos criou o seu CNU – Concurso Nacional Unificado, baseado no êxito do Enem. A prova será no dia 5 de maio, para todos os interessados em qualquer das 6.640 vagas para vinte e um órgãos do governo federal, sejam os Ministérios, seja o IBGE.
Um passo importante foi trocar aqueles conhecimentos pressupostos, que devem ter sido ministrados e aprendidos no curso universitário, por conteúdos mais adequados aos tempos que hoje vivenciamos.
É cediço que uma das falhas do recrutamento é a desvinculação do candidato com a realidade que vai enfrentar se vier a ser aprovado. É o resultado de uma educação que só se atém à memorização, desatenta de que todas as informações estão disponíveis e não precisam estar na mente de quem pretenda ingressar no serviço público.
A geração tecnológica, que já nasceu com chip, sabe manusear todas as bugigangas eletrônicas e se servir da sabedoria disponível e plenamente acessível a quem disponha de um celular. O que falta é justamente o cultivo das competências socioemocionais. Bem-vinda seria a inclusão de temas como realidade brasileira, políticas públicas, direitos humanos, diversidade, inclusão, meio ambiente, mudança climática e outros.
Também seria conveniente que o Exame Unificado do CNJ, para a seleção de magistrados para os quase cem tribunais do Brasil, incluísse mais ética, noções de psicologia, tratamento com as pessoas, sensibilidade, compaixão e tudo aquilo que, muitas vezes, parece faltar em profissionais aprovados à base do “decoreba”.
A ideia inicial é inspiradora. Mas não pode parar nisso. O ideal seria investir em cursos de preparação que se atualizem e consigam oferecer à nação quadros aptos ao enfrentamento dos desafios postos à contemporaneidade.
(Colaboração de José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo).
Publicado na edição 10.835, quarta, quinta e sexta-feira, 10, 11 e 12 de abril de 2024