
O baixo volume de precipitações na última estação das chuvas de verão acendeu o sinal vermelho nas autoridades federais, estaduais e municipais. Com represas em níveis muito abaixo do esperado e uma temporada seca pela frente nos próximos meses, a real possibilidade de problemas na geração de energia, no transporte hidroviário e no abastecimento de água para consumo humano, animal e na agricultura indicam um horizonte de adoção de medidas de restrição e racionalização do uso da água no País.
No que cabe em relação à geração de energia, este não é um problema recente. Desde o início dos anos 2000, quando o País enfrentou o apagão no governo FHC, o Brasil convive com o risco de apagão energético, em razão dos baixos níveis de investimento no setor e da falta de planejamento para o aumento do uso pelas residências e empresas, mas principalmente em função da grande dependência da matriz energética brasileira à geração hidrelétrica.
Muito embora tenham sido implementadas medidas para diversificação desta matriz, com a inclusão e aumento da utilização da energia eólica, solar, térmica e de biomassa, é ainda muito relevante a participação do modal hidrelétrico, decorrente da movimentação de turbinas pela força da água, na geração de energia elétrica no País. Assim, em anos em que chove menos do que o esperado nas regiões sudeste e centro-oeste, tais como no verão 2020/2021, as represas das principais usinas hidrelétricas não atingem o volume e a força necessários para garantir o fornecimento de energia elétrica por todo o período de estiagem, o que gera apreensão e risco de apagões, racionamento e quebra no fornecimento de indústrias e demais empresas, grandes consumidoras de energia no processo produtivo, tais como as siderúrgicas.
No que cabe em relação ao fornecimento de água potável, a redução das reservas e o insuficiente acúmulo nos meses chuvosos indicam problemas no abastecimento à população e à agricultura, caso nenhuma medida de contenção do uso seja adotada. A situação é grave: o último verão foi o mais seco dos últimos 91 anos nas bacias dos rios do sudeste, o que reduz o nível dos reservatórios e indica redução no fornecimento de água tratada para consumo humano, animal e nas lavouras. O corte de fornecimento de água não é uma novidade para ninguém, principalmente nos últimos anos, quando tais medidas foram adotadas – o famoso “rodízio” de corte nas cidades – e suportadas pela população; a questão é que o atual cenário é mais grave e preocupante do que o observado nos anos anteriores, gerando apreensão para os meses tradicionalmente de pouca ou nenhuma chuva na região.
Adicionalmente, a crise hídrica atual gera problemas também na já combalida e atrasada logística nacional, vez que parcela dos rios navegáveis terão o tráfego de barcaças de carga suspenso ou drasticamente reduzido, em função dos riscos gerados pela navegação em rios com baixa profundidade. Assim, o transporte, especialmente de grãos, realizado em parte por hidrovias, deve enfrentar dificuldades, empurrando o transporte para outros modais, tais como o férreo, com baixa penetração e extensão, e o rodoviário, abarrotando ainda mais as precárias estradas do País. Como se percebe, o agronegócio, neste cenário, é prejudicado tanto na irrigação e fornecimento de água para os animais quanto no transporte da produção, um problema grave e sistêmico.
Neste contexto, é fundamental que todos assumam a responsabilidade de racionalizar o uso da água e da energia elétrica, procurando um consumo consciente e comedido, e que principalmente as autoridades adotem as medidas necessárias, ainda que impopulares, para preservação dos reservatórios e a manutenção da garantia de fornecimento de água e energia elétrica para toda a população, sob pena da necessidade da utilização de medidas extremas, tais como o racionamento prolongado e forçado destes bens tão importantes e vitais para a nossa existência.
(Colaboração de José Mário Neves David, advogado e administrador de empresas. Contato: [email protected])