Danos ambientais e prescrição

Gabriel Burjaili

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Colunista - Advogado que atua na área do meio ambiente, Gabriel Burjaili

Em março de 2025, ao analisar uma ação em que se cobrava uma indenização em dinheiro do autor de um dano ambiental, o Supremo Tribunal Federal (STF) se manifestou pela não incidência da prescrição, reconhecendo o direito de o Ministério Público Federal continuar a cobrar o devedor mesmo depois de passados cinco anos da constituição da dívida.

O caso tem gerado debates intensos na comunidade jurídica. Para uma corrente, o STF acertou ao atribuir aspecto imprescritível (não sujeito à prescrição) à cobrança de indenização em dinheiro por dano ambiental. Para outra, o STF incorreu (mais uma vez) em erro ao tentar atribuir ao dano ambiental essa característica.

Para os(as) leitores(as) que não tenham familiaridade com o assunto, um pequeno parêntese: no mundo jurídico, reconhecer a ocorrência da prescrição significa que o credor de uma obrigação (dívida, indenização reconhecida em decisão judicial, entre outros tipos) perdeu o direito de exigir do devedor que a cumpra pelo decurso do tempo.

Em geral, reconhecer que as obrigações prescrevem é uma forma de dar segurança jurídica, estabilidade social às relações jurídicas como um todo. Assim, se um credor não exerce seu direito no tempo previsto pela lei, o sistema jurídico brasileiro impõe uma consequência a essa inércia: o direito de reclamar a dívida se extingue. Até por isso se brinca no meio jurídico que a prescrição pode ser explicada pelo ditado popular: “camarão que dorme a onda leva”.

No caso de danos relacionados a bens ambientais, a recente decisão do STF sustentou que o meio ambiente é um bem de todos, das presentes e futuras gerações, direito do qual não se pode abrir mão. Por isso não se poderia admitir que um causador de um dano ao meio ambiente se veja livre de responsabilidade em pagar a indenização pelo decurso do tempo. Supostamente sacrifica-se a estabilidade social em nome da proteção ao meio ambiente. A justificativa parece louvável, mas não imune a críticas (relevantes, por sinal).

Primeiro, por falta de lei que preveja essa imprescritibilidade. Sendo a prescrição a regra, a não incidência da prescrição deve ser expressamente prevista em lei. E, pela Constituição Federal, apenas a prática de racismo e a “ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”, são crimes imprescritíveis.

No mais, para que se preserve o bem ambiental danificado – por exemplo, uma área de vegetação protegida, um curso d’água etc. – já há lei que viabiliza essa recomposição a qualquer tempo, mesmo que isso seja exigido de outra pessoa que não o causador do dano. Em boa parte dos casos, portanto, a recuperação em si do meio ambiente prejudicado poderia ser exigida, sem que fosse necessário atribuir ao dano ambiental a pecha de imprescritível e assim permitir também a cobrança de indenizações em dinheiro a qualquer tempo.

Certa ou equivocada, a recente decisão do STF, na prática, reforça um ponto de atenção para proprietários(as) de imóveis rurais e urbanos que tenham impacto ambiental. Em especial, a atenção se justifica em negociações de compra e venda desses imóveis: é fundamental avaliar com rigor a possível existência de passivos ambientais, eis que tais obrigações podem ser “herdadas” pelo(a) novo(a) proprietário(a), e, agora, podem ser exigidas a qualquer tempo, mesmo as indenizações em dinheiro (ao menos enquanto os Tribunais entenderem que alguns camarões podem relaxar tranquilamente à beira-mar).

(Colaboração de Gabriel Burjaili, bebedourense, advogado e professor).

Publicado na edição 10.918, de sábado a terça-feira, 26 a 29 de abril de 2025 – Ano 100