
É preciso discutir a criação de áreas livres de desmatamento ilegal e fazer a diferenciação das diversas regiões produtoras deste continental país
Em fevereiro passado, a Copa-Cogeca, influente associação que representa os interesses protecionistas de produtores rurais europeus, lançou um vídeo-manifesto com críticas à possível ratificação do acordo Mercosul/União Europeia. Entre os motivos apresentados para a recusa, o alegado descompromisso brasileiro para com a preservação da Amazônia aparece como ponto central. Autoridades europeias falam abertamente em boicotar a compra de produtos brasileiros como forma de combate ao desmatamento de nossa grande floresta.
Seja por ignorância, má-fé ou uma mistura de ambos, representantes europeus reportam o Brasil ora como uma grande floresta, ora como uma grande fazenda a depender da conveniência. Não fazem a devida diferenciação dos diversos biomas e diferentes níveis de conformidade ambiental existentes neste continental País.
Para citar um exemplo, no caso específico produção de suco de laranja, setor em que o Brasil é inconteste líder mundial, os pomares estão localizados ao longo de 351 municípios entre o Estado de São Paulo o Triângulo Mineiro, cerca 3.000 quilômetros distante da Amazônia. Pesquisa realizada pelo Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) mostrou que para cada 2,5 hectares de fruta produzida há 1 hectare de vegetação protegida. Isso soma 181 mil hectares de matas preservadas dentro de propriedades rurais produtoras de laranja. Nenhum concorrente brasileiro possui algo sequer parecido. A metodologia do estudo contou com imagens de satélite de alta resolução com cruzamento de dados do cadastro ambiental rural (CAR) e verificação em loco.
Para lidar com essa “falta de conhecimento”, um caminho a ser seguido pode ter como inspiração os sistemas de controle de febre aftosa, doença bovina que, se identificada, é passível de fechamento de mercados mundo afora. O Brasil possui hoje apenas dois status sanitários para febre aftosa: livre com vacinação e livre sem vacinação. Contudo, ao longo do tempo, até o devido amadurecimento do sistema, houve as chamadas áreas tampão e livre com reconhecimento suspenso.
Dessa forma, não há motivos para que não se inicie uma discussão sobre a criação de regiões “livres de desmatamento ilegal” a depender do nível de consolidação dessas áreas ante ao código florestal, outro grande avanço regulatório nacional. Isso permitiria não só ao Estado Brasileiro, mas também a “quem interessar” a focar esforços e investimentos em regiões mais sensíveis. Mais que isso, seria feita a justa separação de diferentes regiões com diferentes realidades e, preferencialmente, com o devido reconhecimento dos serviços ambientais prestados por reservas naturais existentes em propriedades rurais Brasil afora e que não encontram paralelo em nenhum outro lugar no mundo.
Ibiapaba Netto, 44, é diretor-executivo da Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR) e representa os maiores processadores e exportadores de suco de laranja do Brasil.
Publicado na edição 10.580, de 22 a 25 de maio de 2021.