Marcelo Bosch
Podemos definir o objetivo geral de uma psicoterapia como sendo a mudança de comportamento. Essa mudança pode ocorrer em uma área específica da vida do indivíduo ou em várias áreas, ou seja, na área familiar, social, afetiva, emocional, profissional/ocupacional, intelectual, espiritual. Os resultados terapêuticos irão depender, em linhas gerais, da complexidade das demandas apresentadas pelo paciente, do formato de trabalho proposto, das atitudes ou posturas terapêuticas adotadas e do tempo de tratamento.
Existem diferentes abordagens teórico-metodológicas na psicologia, assim como diferentes psicanálises. Isso significa que existem diferentes maneiras de conceber o comportamento humano, o psiquismo e a relação dos indivíduos com o mundo que os cerca, maneiras a partir das quais se estabelece diferentes métodos e técnicas psicológicas. Mencionando algumas abordagens da psicologia, temos: a Psicologia Comportamental, a Psicologia Cognitiva, a Psicologia Existencial-humanista, a Gestalt-terapia, a Terapia Familiar Sistêmica, a Psicologia Analítica, as Psicoterapias Corporais, o Psicodrama, a Abordagem Centrada na Pessoa e a Psicologia Sócio-histórica (ou Histórico-cultural).
Na psicanálise, além da psicanálise freudiana, temos quatro grandes escolas de psicanálise, que surgiram e se consolidaram ao longo das décadas que se seguiram à morte de Sigmund Freud. São elas: a psicologia do ego, a psicanálise kleiniana (de Melanie Klein), a escola das relações de objeto (da qual pertence Donald Woods Winnicott) e a psicanálise lacaniana (de Jacques Lacan). Estas escolas de psicanálise, para serem entendidas como “escolas”, apresentam quatro dimensões originais e coerentes, a saber: uma teoria geral da psique (ou metapsicologia), uma teoria do desenvolvimento psíquico, uma teoria psicopatológica e uma teoria do processo terapêutico.
Entretanto, à parte os conceitos e técnicas que as diferenciam, elas compartilham saberes fundamentais que lhes permite serem chamadas de psicanálise, mantendo sua origem freudiana. Nesse sentido, elas mantêm as seguintes descobertas de Freud: as noções básicas de inconsciente e de conflito psíquico; a permanência do infantil no psiquismo adulto; o sintoma tomado como o resultado de um jogo de forças psíquicas opostas; e os processos e conceitos de transferência, resistência e interpretação no tratamento psicanalítico.
Munido de algum desses arcabouços teóricos e metodológicos, independentemente de qual escola de psicologia ou de psicanálise, o terapeuta ainda precisa lançar mão de dois outros recursos imprescindíveis para sua atuação. Sua terapia pessoal – isso mesmo, o bom terapeuta precisa sentar no sofá ou deitar em um divã para abordar suas questões pessoais com outro terapeuta – e a supervisão – esta que consiste na atividade de discussão de aspectos clínicos de algum caso junto a outro analista mais experiente, preservando a ética e o sigilo profissional.
Outros aspectos importantes pertinentes à psicoterapia dizem das atitudes ou posturas do terapeuta. Alguns autores consideram que o avanço (ou a estagnação) do processo terapêutico em boa medida se deve à qualidade da presença dessas atitudes no analista. Elas consistem na: (1) empatia (colocar-se no lugar do outro e ser afetado pelo e com o outro), (2) aceitação incondicional ou respeito (acolher o outro integralmente, sem julgá-lo pelo que sente, pensa, fala ou faz), (3) congruência (autenticidade do terapeuta), (4) confrontação (comunicar ao paciente suas próprias contradições), (5) imediaticidade (trabalhar a própria relação terapêutica/transferência) e (6) concreticidade (traduzir as experiências do paciente de modo que possam ser compreendidas e assimiladas).
Além dessas atitudes tidas como básicas, o terapeuta deverá estar atento ao que falar (ou perguntar), quando falar e para que falar, assim como escolher o melhor momento para silenciar. O paciente, antes de tudo, precisa se ouvir e, com isso, tomar consciência do que (e para que) está dizendo. Ao mesmo tempo, cabe ao terapeuta pensar o que o paciente continua dizendo quando interrompe sua fala, e o que ele não diz ao falar.
Tarefa nada fácil ser terapeuta – e ser paciente. Mas gratificante! Exige, para os dois parceiros da relação, entrega, paciência, dedicação, persistência e coragem. Talvez esta última seja uma das dimensões mais importantes de um processo terapêutico, na medida que se configura em um dos combustíveis desse processo e, portanto, do crescimento como um todo do paciente – e do terapeuta. A coragem, aqui, diz da coragem de abrir-se ao novo e, em última instância, de angustiar-se. Não enquanto algo puramente masoquista, a angústia tomada pela angústia; mas enquanto algo necessário para o avanço, sem angústia e alguma dose de sofrimento não há crescimento, não há mudança.
Assim, deixo aqui meus sinceros cumprimentos àqueles que escolheram ser terapeutas e a todos os pacientes. Em um momento em que a assombrosa lógica manicomial parece mostrar novamente suas garras, com a recente nomeação do novo Coordenador Geral de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas pelo ministro da saúde, parabenizo os terapeutas e os pacientes que não se calam em sua angústia, e que tiveram coragem de viver de maneira mais crítica, autêntica e genuína consigo e com o outro.
(Colaboração de Marcelo Bosch Benetti dos Santos, Psicólogo, especialista em Psicologia Clínica, mestrando em Psicologia Clínica – PUC-SP).
Publicado na edição nº 9931, de 24 de dezembro de 2015 a 5 de janeiro de 2016.