Estamos preparados para a epidemia da perda cognitiva?

Luiz Assunção

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Dr. Luiz Antônio da Assunção, farmacêutico clínico, CRF 23.110 SP, Pós-graduado em acompanhamento farmacoterapêutico; e em gastroenterologia funcional e nutrigenômica. Foto: Divulgação

Vivemos mais. Mas estamos realmente vivendo melhor? A cada ano, cresce o número de pessoas diagnosticadas com Alzheimer, Parkinson e outras doenças neurodegenerativas. A Organização Mundial da Saúde já soou o alarme: o número de casos de demência vai triplicar até 2050.

Triplicar.

Não estamos falando de exceções. Estamos falando de uma epidemia silenciosa que ameaça a essência do que somos: nossa memória, nossa autonomia, nossa identidade.

E a pergunta que precisamos fazer é: isso era inevitável?

A resposta é dura: não.

Grande parte do que hoje vemos como “declínio inevitável da idade” que é, na verdade, fruto de escolhas negligentes e de um sistema de saúde reativo, não preventivo.

Quantos cuidaram de sua nutrição funcional? Quantos monitoraram seus níveis de vitamina B12, ferro, ômega-3 ou vitamina D? Quantos trataram a insônia crônica como algo além de uma “fase ruim”? Quantos corrigiram suas disfunções hormonais antes que o cansaço, a apatia e o esquecimento se instalassem? Quantos revisaram, com seriedade, o uso contínuo de medicamentos que, silenciosamente, minam a função cerebral?

A maioria não o fez. E agora, paga o preço — um preço altíssimo.

Estamos tratando doenças que, em muitos casos, poderiam ter sido evitadas ou, no mínimo, retardadas. Mas seguimos acreditando que envelhecer doente é normal. Não é.

É o custo do descuido funcional.

A medicina precisa mudar. A saúde precisa mudar. E cada um de nós precisa mudar.

Prevenir é a única alternativa sensata: Detectar deficiências nutricionais precocemente; Corrigir desequilíbrios hormonais; Ajustar o uso racional de medicamentos; Promover atividade física e estímulo cognitivo antes que os sintomas apareçam.

O farmacêutico clínico, junto de médicos e nutricionistas, é hoje peça-chave nesse novo paradigma: reprogramar a saúde enquanto ainda há tempo.

Porque preservar a mente é muito mais do que preservar a memória: é preservar a liberdade.

Fim das bulas impressas no Brasil? Um debate que exige responsabilidade

Recentemente, a possibilidade de substituir as tradicionais bulas impressas por versões digitais reacendeu importante debate no Brasil. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) já iniciou projetos-piloto nesse sentido, especialmente para medicamentos de uso hospitalar, amostras grátis e produtos fornecidos pelo SUS. A ideia é utilizar QR Code nas embalagens, oferecendo a bula impressa apenas mediante solicitação.

Embora as bulas digitais tragam vantagens claras — como atualizações constantes, recursos multimídia que facilitam a compreensão e impacto ambiental reduzido —, a substituição da bula impressa por digital precisa ser vista com cautela. Em um país onde ainda há sérias desigualdades no acesso à internet e altos índices de analfabetismo funcional, eliminar a bula física pode ampliar ainda mais as barreiras à informação segura sobre medicamentos.

A bula é um documento fundamental. Ela orienta sobre o uso correto, efeitos colaterais, contraindicações, interações medicamentosas e cuidados específicos. Mesmo que seja aprimorada no ambiente digital, ela não pode ser abolida de maneira definitiva sem comprometer o direito básico do paciente à informação acessível.

Nesse cenário, o papel do farmacêutico clínico se torna ainda mais essencial. É ele quem, através de consulta individualizada, revisa os medicamentos em uso, tira dúvidas e fornece orientações detalhadas que vão muito além do que a bula pode prever. Isso porque muitas interações medicamentosas relevantes, reações adversas e estratégias de manejo de efeitos colaterais não estão claramente descritas na bula. Exige-se raciocínio clínico apurado, conhecimento farmacológico profundo e visão do paciente como um todo.

É importante lembrar também que ter o diagnóstico e a receita médica não livram o paciente de riscos relacionados ao uso de medicamentos. Um tratamento farmacológico seguro exige monitoramento, educação e avaliação contínua. Precisamos cultivar na população brasileira o interesse em compreender seu próprio tratamento, conhecer as funções, benefícios e riscos de cada medicamento em uso.

O medicamento é, sem dúvida, uma ferramenta essencial para a saúde. Mas é preciso adotar postura mais crítica e consciente: usar medicamentos de forma racional é, acima de tudo, um compromisso com a vida e com a segurança.

Fim da bula impressa? Talvez no futuro. Mas hoje, mais do que nunca, precisamos reforçar o acesso à informação, à consulta farmacêutica e ao entendimento de que todo tratamento exige acompanhamento especializado. A saúde pede responsabilidade.

Fim das bulas impressas: avanço para poucos, riscos para muitos.

(Colaboração de Luiz Antônio da Assunção, Farmacêutico Clínico, CRF 23.110-SP. Especialista em acompanhamento farmacoterapêutico e nutrição funcional, articulista de Saúde e Bem-estar).

Publicado na edição 10.919, de quinta a terça-feira, 1º a 6 de maio de 2025 – Ano 100