“Este é um período desafiador para todos os americanos”, afirma brasileiro

Morando nos Estados Unidos há 18 anos, “Cuca” conta como a pandemia do Covid-19 mudou seu dia a dia.

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(Divulgação)

Morando nos Estados Unidos há 18 anos, o bebedourense Paulo Sérgio da Silva, mais conhecido por “Cuca”, conta como a pandemia do estado norte-americano mudou sua rotina.
Em entrevista via internet, exclusiva a Gazeta, Cuca, que esteve em Bebedouro no início de fevereiro em férias e visitando familiares e amigos, descreve a sensação de medo da população, a escassez de alimentos e suprimentos nos supermercados, e a conscientização, mesmo tardia, do presidente Donald Trump, solicitando aos americanos o isolamento social.
Segundo a Universidade Johns Hopkins, em 24 horas, 1.169 mortes foram registradas nos Estados Unidos por Covid-19, entre quarta e quinta-feira (1º e 2), contabilizando o maior número de mortes em um dia, desde o início da pandemia no mundo.

Gazeta de Bebedouro – Na manhã de sexta-feira (3), com 6 mil mortes e 245 mil casos confirmados de Covid-19, os Estados Unidos estão em quarentena contra o vírus. Como a pandemia alterou sua vida?
Paulo – Alterou em termos profissionais, pessoais e práticos. Trabalho para o governo dos EUA. A ordem é trabalhar remotamente, de casa. Todas as reuniões e interações são feitas on-line. Como trabalho com conteúdo relativo a diplomacia e política externa, o foco agora é desenvolver e divulgar material alertando o mundo, através das embaixadas e consulados dos EUA ao redor do mundo, sobre a gravidade da pandemia de coronavírus. Tenho um volume maior de trabalho desde o início da pandemia. O governo declarou emergência nacional.
Lojas, restaurantes, academias estão fechados, ou seja, tudo o que não representa serviço essencial.
Quando vou ao supermercado, por exemplo, há alguém organizando a entrada. Forma-se uma fila do lado de fora e as pessoas já têm consciência de que devem manter distância entre si. E o organizador só permite a entrada de uma pessoa quando outra tiver saído.
Há muita escassez de produtos nos supermercados. Obviamente, álcool em gel desapareceu das prateleiras de supermercados, farmácias, etc.
E aqui em Nova York, que se tornou o epicentro da contaminação pela Covid-19 nos EUA, no início, a ordem era para praticar o distanciamento social. Desde domingo, 22 de março, a medida recrudesceu e o que agora prevalece é o isolamento social. Isso se deve ao fato de os números de pessoas infectadas ter aumentando em progressão geométrica. Mal tenho saído de casa.

Gazeta de Bebedouro – Que atividades fazia antes, que deixou de fazer?
Paulo – Abdiquei das caminhadas pelos parques e píers, malhar na academia, saídas para bares, restaurantes. Cozinho mais em casa, uso bem mais os serviços de entrega de comida. Não há pessoas nas ruas como acontecia antes. Da janela ainda vejo pessoas caminhando, mas pode-se dizer que uma metrópole como Nova York está praticamente deserta aqui em Manhattan.

Gazeta de Bebedouro – Como analisa o enfrentamento do vírus pelas autoridades estadunidenses? Na sua visão, a população esta consciente?
Paulo – Este é um período desafiador para todos os americanos. O estado de Nova York tem estado na dianteira de conscientizar a população sobre a gravidade desta pandemia. O governador e o prefeito praticamente fazem coletiva de imprensa todos os dias.
A reação inicial do presidente Trump foi de diminuir o impacto que o coronavírus teria, contrariando a OMS e a equipe do governo que equivale ao Ministério da Saúde no Brasil. Nos últimos dias, ele aderiu ao óbvio: a situação é grave e só tende a piorar. Por essa razão, ele voltou atrás em discurso e parou de minimizar os riscos da doença.
O estímulo econômico de mais de 2 trilhões de dólares foi aprovado pelo Congresso e sancionado por Trump. Isso já representa que haverá um alívio para algumas classes de trabalhadores que foram mais afetados.
Apesar disso, o governo federal tem adotado iniciativas próprias, porém, descoordenadas com os estados. Na verdade, quem tem segurado a onda são governadores e prefeitos. Mesmo o prefeito de NYC clamou por uma resposta mais eficaz do governo federal. E comparou a crise atual como sendo muito mais grave do que a que ocorreu durante a Grande Depressão. Prefeitos e governadores emitem constantemente alertas de escassez de suprimentos médicos e falta de equipamentos de proteção, para quem trabalha na linha de frente do surto do vírus.
Na realidade, isso tem causado um colapso no sistema de saúde e principalmente na rede hospitalar. Os casos de pessoas infectadas que dependem de respiradores e que não são tratadas adequadamente pela falta de equipamentos vitais nos hospitais se tornaram comuns. Relatos de profissionais de saúde sem equipamentos de proteção pessoal disponíveis, principalmente máscaras faciais, aventais e luvas, têm sido uma constante. É grave a contaminação entre esses profissionais, que se arriscam e estão na linha de frente para o tratamento da Covid-19.
E algo igualmente grave: não há testes suficientes. E hoje já anunciaram a falta de medicamentos. Este tem sido um grande teste para os EUA. A população tem buscado ajudar. Vejo que aqui em Nova York houve grande adesão às medidas que buscam conter o avanço da doença. E há muita solidariedade entre as pessoas, que dão atenção aos grupos de risco, fazem campanhas, doações, etc.

 

Publicado na edição nº 10477, de 4 a 9 de abril de 2020.