Fome, a verdadeira doença

0
505

Nos próximos cinco minutos que você vai gastar para ler esse artigo, 60 crianças vão morrer de fome ou de desnutrição. São 12 por minuto ou seis milhões por ano. Isso mesmo, seis milhões que perdem a vida sem nunca terem tido uma infância de alegria diante de uma mesa farta.
Longe disso, devido à fome das mães, as crianças já nascem desnutridas, com várias deficiências fisiológicas. Que me perdoem os leitores pelo sacrilégio, mas essas crianças já nascem prontas para morrer.
O paradoxo dessa história é que a quantidade de alimento produzida no mundo seria suficiente para alimentar cada cidadão vivo e talvez até sobrar. Por que há então, cerca de 800 milhões de pessoas que passam fome? Qual é o segredo?

Os miseráveis

Estudos realizados por Per Pinstrup-Andersen e Fuzhi Cheng, ambos pesquisadores da Cornell University, indicam que o principal motivo da fome não é a falta de alimento, mas sim a falta de condições para obtê-la. Em outras palavras, a pobreza da população seria o grande vilão da história, já que milhões de famílias não têm renda suficiente para comprar o alimento mínimo necessário.
Algumas regiões concentram números desproporcionais da fome, como o sul da Ásia e a África subsaariana. Na África o problema da fome acaba sendo agravado pelas constantes epidemias que assolam a região, com destaque para o HIV e o ebola. As doenças literalmente exterminam os provedores familiares, e uma situação que já era crítica, passa a ser desesperadora para os sobreviventes que ficam à mercê da sorte ou de algum milagre que geralmente não acontece.

Governos, metas e saídas

Embora governantes do mundo tenham se reunido em 1996 e firmado um compromisso de redução drástica da fome para 2015 em uma meta de não mais do que 400 milhões de pessoas famintas, o fato é que passados mais de duas décadas o número da fome ainda representa uma enormidade.
Pinstrup-Andersen e Cheng arriscam sugerir algumas saídas para o problema da fome, senão em escala global, certamente em escala regional. Dizem eles que havendo governabilidade, aplicação efetiva da lei, transparência, ausência de corrupção, administração pública sólida e respeito e proteção aos direitos humanos, fatalmente haverá uma segurança alimentar sólida.
Nesse contexto, caro leitor, até eu arriscaria dizer que não só a fome viraria história, mas as mortes em filas de hospitais, a mendicância e a miséria exacerbadas, o analfabetismo explícito, o trabalho escravo e a própria degradação da natureza, entre outras mazelas que afligem a humanidade, seriam apenas raras lembranças de tempos idos. O difícil é convencer os políticos a terem a ética como princípio maior.

Eles não têm vergonha

No Brasil, as operações desenvolvidas pela polícia federal e ministério público, com apoio de alguns juízes e promotores audaciosos, têm aberto a caixa de pandora da corrupção. Embora o próprio Supremo Tribunal de Justiça esquizofrenicamente permita que verdadeiros bandidos que solaparam o país recebam o prêmio da liberdade, muitos outros começam a pagar por seus crimes hediondos, crimes esses que levaram a miséria ao povo brasileiro. São cerca de 15 milhões de crianças desnutridas no país, sendo que 45% delas com menos de cinco anos.
Pense comigo, caro leitor, não é o fim da picada ter que conviver com políticos que desviaram bilhões de reais dos erários públicos, sem nenhum remorso das consequências desumanas e cruéis de suas ações, como se fossem vítimas inocentes de um sistema perverso?
Esse câncer chamado corrupção precisa desaparecer do seio de nossa sociedade. Cada um de nós precisa combatê-lo frontalmente, incansavelmente, perenemente. A fome, enquanto existir, sempre será uma grande vergonha nacional. Uma verdadeira doença que nos consome paulatinamente.

Publicado na edição nº 10142, de 22 e 23 de junho de 2017.