Nos últimos anos, episódios envolvendo prisões de artistas, influenciadores e humoristas por declarações polêmicas ou atitudes nas redes sociais chamaram a atenção da opinião pública. Ao mesmo tempo, surgem notícias de criminosos com extensas fichas sendo soltos por brechas legais ou decisões judiciais controversas. Essa contradição, frequentemente resumida na frase “humorista preso e traficante solto”, tornou-se um símbolo da aparente inversão de prioridades da justiça brasileira, integrante da macro segurança pública.
O caso de humoristas sendo alvos de processos judiciais por piadas consideradas ofensivas, ou mesmo por opiniões, abre um debate importante sobre os limites da liberdade de expressão. Embora seja fundamental combater discursos de ódio e promover o respeito, é preciso questionar se prender alguém por uma piada — mesmo de mau gosto — é proporcional e razoável. Em contrapartida, a liberação de traficantes perigosos por erros processuais ou benefícios legais acaba gerando indignação e sensação de impunidade. E aqui a Segurança Pública leva um balde de água gelada.
Essa dualidade expõe não apenas uma falha no sistema judicial, mas também revela como o aparato jurídico muitas vezes é mais eficiente — ou mais rígido — com figuras públicas do que com criminosos de fato perigosos. Isso pode ser explicado por uma série de fatores: a pressão da opinião pública, a visibilidade dos envolvidos e o desejo de autoridades demonstrarem “ação” diante de certos temas sensíveis, como racismo, misoginia ou intolerância religiosa.
Contudo, é preciso cautela para não cair em narrativas simplistas. Nem todo humorista é apenas “incompreendido” e nem todo traficante solto é produto de má-fé judicial. A frase “humorista preso e traficante solto” funciona mais como uma crítica social do que como uma regra. Mas ela é poderosa justamente porque aponta para algo que muita gente percebe: a sensação de que as prioridades do sistema estão desequilibradas.
O problema é estrutural. A morosidade da justiça, a falta de estrutura do sistema prisional, a legislação penal que por vezes beneficia reincidentes e criminosos perigosos, tudo isso contribui para esse cenário. Além disso, a espetacularização de casos envolvendo figuras públicas também cria distorções: prende-se para dar exemplo, não necessariamente porque há um risco concreto à sociedade.
A justiça precisa ser firme contra o crime, mas também sensata ao lidar com a liberdade de expressão. O equilíbrio entre proteger a sociedade e garantir direitos individuais é delicado, mas essencial. Punir o pensamento — mesmo quando ele desagrada — pode abrir precedentes perigosos. Por outro lado, deixar criminosos em liberdade por tecnicalidades jurídicas enfraquece a confiança da população no sistema, desestimulando a Segurança Pública a cumprir seu dever.
“Humorista preso e traficante solto” não é apenas uma crítica irônica: é um alerta. Um convite para refletirmos sobre o que esperamos da justiça e que valores queremos que ela defenda. Afinal, uma sociedade justa não é aquela que escolhe quem punir com base na repercussão, mas sim aquela que aplica a lei com equilíbrio, isenção e responsabilidade.
Até porque na ponta da lança, tentando lidar com tudo isso nas ruas está a Segurança Pública, que, aliás, vai continuar fazendo sua parte.
(Colaboração de Rogério Valverde, advogado, secretário de Segurança Pública de Bebedouro).
Publicado na edição 10.930, de sábado a quarta-feira, 14 a 18 de junho de 2025 – Ano 101