
A cidade camponesa de Tauccamarca no Peru jamais sonhara em ter um 22 de outubro tão trágico quanto o de 1999. Após ingerirem leite contaminado com o praguicida Parathion, 24 crianças morreram. Concomitante outras 18, embora sobrevivessem, guardaram sequelas para o resto de suas vidas. O fatídico dia ficou conhecido naquela comunidade como o dia do horror.
Rodrigo Armijo, chileno de Melipilla, veio ao mundo no mesmo ano da morte das crianças peruanas. Teve pouca sorte (sic!). Nasceu com hidrocefalia, fissura labial, problemas com os dedos das mãos e impossibilidade de verter lágrimas, mesmo para um bebê cuja vontade de chorar é tão comum. Durante a gestação, sua mãe, caixa de supermercado, esteve exposta recorrentemente a um poderoso agrotóxico de nome Tamarón.
Tadeu José Severino, agricultor de Santa Cruz do Sul, saiu da rotina no dia 14 de junho de 2002. Ao invés de acender o fogo para aquecer o chimarrão, correu para o seu local de trabalho, onde plantava fumo, e se enforcou. Esse não foi um caso isolado. Em 2001 nessa mesma cidade, observou-se a morte de outras 21 pessoas por suicídio, todas elas com fortes vestígios de intoxicação.
Esses relatos fazem parte de um universo imenso e mundial das feridas causadas pela utilização mal feita e indiscriminada dos agrotóxicos.
Remédio ou veneno?
Para comercializar agrotóxicos é necessário obter registro nos Ministérios da Agricultura, Saúde e Meio Ambiente, sendo classificados com base em sua periculosidade ambiental e efeitos à saúde. Em teoria, eles devem estar acompanhados de receituário agronômico e conter rótulo e bula absolutamente claros, os quais devem indicar impactos que o seu uso pode acarretar para a saúde e para o meio ambiente.
Eu digo “em teoria” porque quase sempre o usuário de produtos agrotóxicos, como o homem do campo, tem dificuldades para interpretar o difícil vocabulário encontrado nos rótulos e bulas das embalagens comercializadas. E para piorar o cenário, nos pontos de venda não são raras as explicações ininteligíveis sobre o agrotóxico, como diz o agricultor de nome Valdecir: “Ah, eles não fala nada não, só dá indicação e o tanto que usa… só fala o senhor usa tanto disso, tanto daquilo… se fala que tem um bicho assim, ela já diz, tem que ser este remédio. Mas precarção, avisando a gente, nada não”.
Do campo para a mesa
Comer saladas, vegetais e frutas em abundância infelizmente pode não ser um hábito saudável. Eu explico: análises de resíduos de agrotóxicos em amostras de frutas e verduras realizadas pela Anvisa entre junho de 2001 e junho de 2002, mostraram que 81% delas estavam contaminadas e que 22% tinham percentuais acima do permitido. Além disso, 1/3 dessas amostras continham resíduos de agrotóxicos não autorizados para as respectivas culturas. Ainda, em 2000, levantamento realizado pela Feema e pelo Instituto de Biologia da UERJ constatou que em pelo menos cinco alimentos – morango, figo, brócolis, agrião e vagem manteiga – havia grau de contaminação por agrotóxicos quatro vezes maior do que o permitido pelo Ministério da Saúde. Já o Laboratório de Resíduos do Instituto Biológico de São Paulo, em 1998, descobriu problemas sérios de contaminação no tomate, no melão, na uva, no morango, na alface, no mamão e no pimentão.
Os efeitos
Em termos gerais, o uso indiscriminado de agrotóxico nos alimentos pode provocar irritações gástricas e intestinais, tonteiras, taquicardia, alergias e até insuficiência renal, dependendo do tipo de agente contaminante. Nos piores casos, o câncer e a morte acabam por fazer parte da lista.
Não pense, caro leitor, que todas essas conseqüências são responsabilidade apenas do produtor. Elas são responsabilidade do fabricante do agrotóxico, que preocupado somente com o lucro exacerbado, escamoteia os reais perigos do produto; dos governantes, que fazem vista grossa para o cumprimento da lei que rege a comercialização e uso; e da imprensa, que raramente faz desse assunto, a pauta do dia.
Embora não seja trivial manter a sua mesa livre dos alimentos contaminados, algumas medidas podem ajudar, como utilizar produtos orgânicos, retirar cascas e folhas externas ou ainda deixá-los de molho em solução de hipoclorito de sódio.
Caso haja interesse, o leitor poderá acessar diretamente o site da ANVISA pelo endereço http://portal.anvisa.gov.br/duvidas-sobre-agrotoxicos-em-alimentos e obter informações adicionais.
(Colaboração de Wagner Zaparoli, doutor em ciências pela USP, professor universitário e consultor em tecnologia da informação).
Publicado na edição de nº 10411, de 20 a 23 de julho de 2019.