
Por mais repulsivo que possa parecer, usar insetos em nossa agenda alimentar pode se tornar uma realidade muito antes do que podemos imaginar. Não interprete a ideia como piada não, pois a Agência das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura – FAO – lançou um relatório detalhado sobre o assunto em 2013, tratando-o com grande seriedade (http://www.fao.org/docrep/018/i3253e/i3253e00.htm). Os números falam: em 2050 seremos 9 bilhões de bocas para serem alimentadas. Até lá a produção de alimentos precisará, no mínimo, dobrar de volume para atender a demanda crescente da população. Com a matriz alimentícia atual, talvez isso não seja possível.
Limitações à vista
O mundo já conta com cerca de 1 bilhão de famintos crônicos, concentrados principalmente em regiões pobres da África Subsaariana e no sul asiático. Ao refletirmos sobre os possíveis caminhos que enderecem as soluções da fome no mundo, temos que levar em conta, logo de partida, esse déficit, que não é pequeno. Que dirá em 2050!
As saídas convencionais para aumentar a produção de alimentos atualmente têm esbarrado no viés da sustentabilidade e do esgotamento do meio-ambiente. Se quisermos pensar em aumentar a produção de proteína animal, temos que refletir sobre os seus impactos diretos, como o uso extensivo de terras, a produção de gases de efeito estufa, o consumo abusivo de água e a compactação do solo, entre outros fatores. Se pensarmos na expansão da agricultura, devemos nos preocupar com a perda de grandes porções de floresta que estão dando lugar a extensas plantações de grãos, como a soja, por exemplo.
Um raciocínio lógico, portanto, é buscar caminhos alternativos que possam não só garantir a segurança alimentar das populações mais pobres e famintas do mundo, mas, manter sustentabilidade do planeta.
Pensando fora da caixa
Em agosto de 2017 a Essento, uma startup suíça, lançou alguns produtos alimentícios a base de insetos em supermercados daquele país. Inverso ao senso comum, esses produtos fizeram e continuam fazendo sucesso por lá, tanto que estão virando moda na culinária conservadora dos suíços.
De acordo com Melchior Füglistaller, representante da empresa, um dos principais apelos para o lançamento e movimentação do comércio de alimentos a base de insetos tem sido a sustentabilidade, uma bandeira forte e necessária para quebrar a resistência cultural que predomina na população ocidental de maneira geral. Para ele a ideia é abrir possibilidades culinárias para os clientes, convencendo-os de que os insetos são realmente gostosos. Os suíços são consumidores vorazes de carne vermelha, comem em média três vezes mais do que realmente necessitam. Mudar esse hábito leva tempo, mas pode ser um caminho sem volta, afirma Füglistaller.
Uma alternativa viável
A Essento lançou três tipos de alimentos mirando principalmente o público jovem: barrinhas de cereais compostas de grilos crocantes, passas e tâmaras, e hambúrgueres e almôndegas produzidos com farinha de verme moído. Os insetos cultivados em criadouros higienizados na Suíça, Áustria e Bélgica, são moídos e transformados em farinha, que misturada a outros ingredientes como purê de grãos e temperos, acabam por se transformar em produtos saudáveis e nutritivos, ao menos na opinião do fabricante e de vários clientes que aderiram à moda.
Os números são favoráveis. Por exemplo, para se produzir um quilo de carne são necessários 15 mil litros de água e 10 vezes mais ração do que seria necessário para produzir a mesma quantidade de proteína advinda de insetos. Ainda, o teor protéico dos insetos pode chegar a mais de 60% em determinadas espécies. Já o da carne bovina mal chega aos 20% e o do frango atinge no máximo 25%. Sem contar que para produzir insetos não é necessário desmatar florestas, não há lançamento de gases de efeito estufa na atmosfera, não há riscos de zoonoses e, principalmente, não há dor e sofrimento para os animais.
Países como China, Tailândia e Laos consomem insetos há muito tempo. Enquanto nós, ocidentais, comemos pipocas e batatas fritas em dia de cinema, o tailandês come grilos e vermes fritos. Por lá o preconceito se transformou em cultura. Por aqui talvez não demore a acontecer. É esperar para ver.
Colaboração de: Wagner Zaparoli, doutor em ciências pela USP, professor universitário e consultor em tecnologia da informação.