Insistência ou incoerência?

José Renato Nalini

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Ninguém mais tem o direito de negar a evidência científica de que o aquecimento global é o causador das emergências climáticas. Estas vão ser cada vez mais fortes e frequentes. E o aquecimento global resulta do uso excessivo de combustíveis fósseis.

As mentes sensíveis sabem que a descarbonização é meta humanitária. Nem se cuida de política pública, tão somente. É a alternativa ao caos, à superação dos limites que, uma vez ultrapassados, levarão ao termo final da experiência humana sobre a Terra.

Os cientistas alertaram durante décadas os governos. Não foram ouvidos. Agora a palavra está com a natureza. E ela está muito brava.

Diante disso, incompreensível a insistência de parte do governo em explorar petróleo na foz do Amazonas. Ouvi de expertos que o tempo da exploração, da prospecção, do eventual e não comprovado encontro do petróleo e as operações necessárias a tê-lo disponível e pronto para uso, levarão décadas. Coincidirão com a data em que o petróleo deve ser banido da face do planeta, por acordo internacional firmado em contratos celebrados em Conferências da ONU.

O Brasil acenou com a intenção de deixar de ser “Pária Ambiental”. Mas está claudicando nessa incoerente ideia. Os técnicos do Ibama já rejeitaram os estudos iniciais e os complementares. A região a ser prospectada já teve 95 poços perfurados e uma só descoberta comercial de gás natural. As dificuldades operacionais fizeram com que fossem abandonados 31 deles. Na última tentativa de exploração, a Petrobrás suspendeu a perfuração diante das fortes correntezas. Em outubro de 2024, vinte e seis técnicos do Ibama, profissionais altamente qualificados, assinaram a negativa técnica, diante da temerária e falaciosa aventura que custará bilhões aos brasileiros.

Na COP30, o Brasil somará ao lado dos países produtores de petróleo, que esvaziaram o discurso da descarbonização nas últimas três COPs. Andar na contramão do que se deve fazer tem um preço alto. Quanta insistência, quanta incoerência! Adivinhem quem pagará a conta!

Está ficando feio!

A situação do planeta está ficando cada vez pior. Quando o juízo foge, o caos se aproxima. Uma pena que os potenciais salvadores da Terra estejam interessados em prosseguir na sua vidinha em busca de lucros, a explorar seus negócios, a ridicularizar quem – para eles – é catastrofista.

Um país como o Brasil, que tem mais faculdades de direito do que a soma de todas as demais, espalhadas pelo mundo, que tem mais celulares do que população, assim como tem mais gado do que gente, é um exemplo de como a insensatez pode preponderar sobre qualquer resquício de racionalidade com que se pudesse contar.

Somente almas sensíveis se apropriam da realidade aflitiva. É angustiante saber que deixar de lado a descarbonização significa entregar-se ao suicídio. Que descumprir o Protocolo de Paris é acelerar a marcha rumo à tragédia. Que a insistência em explorar petróleo na foz do Amazonas é de uma incongruência que faz o país permanecer na mísera condição de “Pária Ambiental”.

O cineasta Bong Joon Ho, que há seis anos ganhou o primeiro Oscar destinado a um filme estrangeiro, com “Parasita”, produziu agora outra película em que procura mostrar a insanidade que habita a mente dos extremistas. O filme é “Mickey 17” e conta a história de um candidato bilionário a presidente de um grande país que perde a eleição e que prefere partir com os seus comparsas rumo a outro planeta. É, para ele, a solução, em lugar de enfrentar os ecologistas que fazem anúncios apocalípticos.

O diretor sul-coreano tenta mostrar o que está acontecendo: “nunca houve uma espécie que destruísse o planeta tão rapidamente quanto o ser humano. Temos países deixando o Acordo de Paris, o que é trágico”.

Infelizmente, quem deveria assistir a “Mickey 17” não assistirá. Se por acaso assistir, não vai entender. A coisa está ficando feia. Mas, na verdade, não é para o planeta,

que vai continuar a existir. Só que ele dispensará a presença dos humanos e de outras espécies viventes.

Quem viver, verá. Será que ainda há tempo para se converter e ouvir a voz da razão?

(Colaboração de José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo).

Publicado na edição 10.914, de sábado a terça-feira, 5 a 8 de abril de 2025 – Ano 100