
Com o progresso da humanidade, diferentes inovações vêm à tona e alteram significativamente nossas vidas, ainda que não tenhamos plena consciência e não aceitemos tranquilamente o que acontece ao nosso redor. O ser humano é espontaneamente talhado para a previsibilidade, para a segurança, para a rotina, para aquilo que é conhecido, e sempre que nos deparamos com o novo, com aquilo que é desconhecido e nos demanda entendimento e aprendizado, naturalmente apresentamos, ao menos no início, certa resistência.
As últimas décadas têm sido marcadas por inovações tecnológicas e mudanças em alta velocidade da rotina, dos hábitos, dos costumes e das preferências das pessoas. Na década de 90, era impensável achar que um aparelho de bolso poderia nos conectar em tempo real com alguém do outro lado do mundo, por um valor acessível e com alta qualidade de imagem e som. O acesso às informações era restrito aos jornais impressos e aos noticiários da televisão, e muitas das vezes, por impossibilidade operacional, levávamos horas para descobrir algo que, hoje, sabemos alguns poucos minutos após terem ocorrido. É a velocidade das inovações em ritmo acelerado, para o bem e para o mal.
Nesse cenário de inovação, vemos discussões acerca do blockchain e sua rede descentralizada de conexões e interações, a web3 e sua capilarização de controles e aplicações, a tokenização da economia e a aplicação de valor em intangíveis sem lastro, com base na escassez e na retirada do poder do Estado sobre o controle de riqueza. Notamos inúmeras aplicações da tecnologia para redução de distâncias, de custos e de barreiras de entrada em mercados, que causam desconfiança em alguns e, naturalmente, resistência naqueles que gostariam que as coisas continuassem como estão.
Imerso nesse cenário, há, também, um movimento em curso que promete enormes mudanças na rotina humana. Trata-se da aplicação da inteligência artificial (IA) nas nossas atividades, das mais corriqueiras às mais complexas, a fim de que atos e operações humanas habituais sejam substituídos pela inteligência das máquinas e dos algoritmos. Uma dinâmica que envolve aprendizado contínuo dos mecanismos tecnológicos e a aplicação desse conhecimento no cotidiano das pessoas.
Há enormes dúvidas, medos e inseguranças relacionadas à inteligência artificial. Alguns apontam que as máquinas, uma vez obtido o conhecimento mínimo necessário e aplicadas as rotinas de aprendizagem, possam obter “vida própria” e subjugar os humanos. Há, também, quem fique receoso acerca das implicações desse conhecimento artificial obtido pelas estruturas de IA, pois, uma vez obtido e utilizado de forma inadequada, pode gerar mais problemas do que soluções para a humanidade. Ademais, alguns apontam que a criação de elementos de IA e suas aplicações no cotidiano podem tornar os humanos irrelevantes ou desnecessários em algumas tarefas, aumentando os índices de desemprego e a inutilização em massa de pessoas que, pelas mais variadas razões, não conseguirem se adaptar aos novos tempos.
Todos os argumentos são válidos e demandam análise e atenção acuradas. Contudo, o que se sabe hoje é que a inteligência artificial tende a facilitar a vida das pessoas, na medida em que busca liberar a humanidade de tarefas repetitivas, enfadonhas e pouco estimulantes para que as pessoas possam, de fato, focar naquilo que é essencial e nos diferencia de todas as formas de vida e, agora, de máquinas: nossa criatividade, nosso julgamento racional e emocional das situações, nossa análise tão humana, falível e espetacular que nos diferencia de tudo o que existe ou possa vir a existir.
Nesse contexto, é fundamental termos em mente algumas premissas: primeiro, a mudança e o avanço da civilização são inexoráveis. Não há como parar o trem do desenvolvimento humano, sob pena de deixarmos de sermos aquilo que somos – talhados para o progresso. Segundo, o desenvolvimento de IA busca facilitar nossas vidas e buscar novos caminhos e alternativas para os grandes, até hoje, desafios da humanidade, tais como a cura de doenças mortais, a resolução de problemas complexos e até hoje não solucionados e a liberação de nosso bem mais precioso, o tempo, para focarmos naquilo que efetivamente deveríamos. Por fim, se tarefas hoje humanas forem automatizadas, novas oportunidades e desafios de atuação surgirão, abrindo inúmeras opções para aqueles que se sentirem, de alguma forma, afetados e eventualmente alijados do processo. Sejamos otimistas racionais.
(Colaboração de José Mário Neves David, advogado e consultor. Contato: [email protected]).
Publicado na edição 10.717, de sábado a terça-feira, 26 a 29 de novembro de 2022.