Investir na sociedade pode ser um bom negócio

José Mário Neves David

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O Brasil é um país de inúmeros contrastes. Ao mesmo tempo em que temos bolsões de riqueza e que somos a vanguarda no desenvolvimento de tecnologias em determinados setores, como na agropecuária, na produção de aeronaves e na exploração de recursos naturais, somos também uma nação considerada pobre, ao menos quando se observa o Produto Interno Bruto (PIB) per capita brasileiro, na faixa de USD 11.000 ao ano – o 62º do mundo, em um ranking com 189 países divulgado anualmente pelo Banco Mundial.

Uma das nossas maiores deficiências está na qualidade da educação fornecida aos jovens. De acordo com o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA, na sigla em inglês), dentre 81 países avaliados, o estudante brasileiro está nas últimas posições nas competências de matemática, leitura e ciências, ladeado por países como Peru, Albânia e Macedônia. O ranking, organizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), demonstra claramente que o valor investido não é diretamente proporcional à qualidade da educação, já que o Brasil é um país que investe nominalmente muito nas escolas (aproximadamente 5,5% do PIB), porém os resultados são pífios. Ou esse dinheiro não está chegando adequadamente para o aluno, ou estamos gastando muito e mal.

No campo da cultura, o Brasil é também um país pobre, no sentido mais amplo do termo. Conforme pesquisa divulgada no final de 2023, pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), os investimentos federais, estaduais e municipais na cultura cresceram 73% no período, abaixo, contudo, da inflação oficial (aproximadamente 80%) nos anos analisados. O investimento caiu, portanto, se comparado ao crescimento da inflação. No campo federal, o cenário é preocupante: houve redução de 33% nos investimentos em cultura no período – regredimos 1/3 na já pouca destinação de recursos para o setor. E nossa pobreza cultural está evidente, quando temos dificuldade em encontrar cinemas, teatros e livrarias, mas temos facilidade em localizar bares e pessoas que pagam para assistir, vibrar e comentar sobre os reality shows da televisão.

Nesse sentido, considerando nossas enormes disparidades socioeconômicas, nossa pobreza cultural e a dificuldade do Estado, pelos mais variados motivos, para fornecer serviços educacionais e culturais de qualidade que a sociedade merece, a mobilização social através de entidades, institutos e fundações se mostra um caminho interessante para investimento eficaz nos nossos gargalos sociais de crescimento e para o fomento ao lazer e ao desenvolvimento dos cidadãos brasileiros, não apenas os adultos, mas principalmente os mais jovens. E essa mobilização gera benefícios múltiplos para todos.

O principal benefício é o social, em sentido amplo. O acesso à boa educação, à cultura, ao esporte e ao lazer desperta nas crianças a curiosidade intelectual, a socialização, fornece as ferramentas adequadas para o pensamento crítico e, consequentemente, o acesso ao mercado de trabalho e incute nas pessoas de todas as idades os conceitos de autonomia, civilidade e busca pela prosperidade através do trabalho, gerando um efeito positivo e um ciclo virtuoso que transcende as gerações. Se o Estado não consegue fornecer os meios básicos para tanto, a participação do terceiro setor e da iniciativa privada gera, ainda que a conta gotas, efeitos positivos que se propagam pela comunidade e pela sociedade como um todo.

Há, também, um benefício econômico para quem aporta recursos em projetos sérios de desenvolvimento social. A legislação brasileira permite o abatimento de até 6% do Imposto sobre a Renda (IR) devido por pessoas físicas e jurídicas quando parte do imposto a ser pago à União é destinado para projetos de interesse da sociedade, muitos deles desenvolvidos, geridos e mantidos por entidades. Assim, é possível conciliar o investimento seguro em projetos educacionais, culturais e esportivos com a economia tributária para empresas e pessoas físicas, tudo dentro da lei.

No mais, a vida atribulada dos tempos atuais, cheia de compromissos, horários e obrigações pessoais e profissionais, dificulta o investimento dos cidadãos em projetos que gerem impacto social, dada a escassez de tempo para o estudo e escolha de iniciativas que efetivamente causem impacto positivo na vida dos mais necessitados. Nesse sentido, o direcionamento de recursos para gestão e aplicação por institutos, fundações e organizações sérias, passíveis de inúmeros controles pelas autoridades, pelos associados e pelos mantenedores, mostra-se uma excelente alternativa, já que os doadores de recursos terão a certeza de que o capital investido será efetiva e adequadamente utilizado em projetos sociais sérios e previamente avaliados.

Dessa forma, o investimento na sociedade através de iniciativas educacionais, culturais e esportivas, dentre outras possibilidades, desenvolvidas e geridas por entidades do terceiro setor e pela iniciativa privada gera um efeito positivo altamente multiplicador, com incentivos tributários para quem investe e inúmeros benefícios para quem usufrui dos projetos desenvolvidos, independentemente dos investimentos governamentais, cada vez mais escassos em função de um Estado inchado e pouco eficiente.

(Colaboração de José Mário Neves David, advogado, conselheiro e consultor. Contato: [email protected]).

Publicado na edição 10.834, de sábado a terça-feira, 6 a 9 de abril de 202