Judicialização da sociedade

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O abarrotamento das serventias é resultado da ânsia em processar tudo contra todos.

O escritor francês Camus, autor de livros como A Peste, Os Estrangeiros dizia no século XX, “Não há ordem sem Justiça”. Passadas quase duas décadas do século XXI, foi montada a estrutura judiciária brasileira, mas ainda insuficiente para suportar a demanda crescente dos últimos anos.
Com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, considerada a mais plena de todas com a redemocratização do País, a sociedade perdeu o medo e passou cada vez mais, apelar para a interferência judiciária para valer o restabelecimento de seus direitos.
Porém, basta pesquisa no Conselho Nacional de Justiça ou mesmo visitar o Fórum de Justiça, especificamente o Setor de Execução Fiscal, para perceber que vivemos a judicialização da sociedade. Qualquer desentendimento vira processo, que soma-se às já enormes pilhas a espera de análise dos magistrados.
O diretor da Comarca, juiz Hermano Castro revela ter que estudar 300 casos/mês, fora audiências e outros despachos. A mesma situação é vivida por seus pares, os magistrados Neyton Fantoni Júnior e Amilcar Gomes da Silva.
Dá para se perceber uma falta de bom senso e de diálogo, quando até discussões entre vizinhos, chegam à última instância, após anos de recursos até o Supremo Tribunal de Justiça.
Não se pode culpar a proliferação de cursos de Direito, porque é inimaginável pensar o que seriam dos poucos profissionais bacharelados, dando conta desta demanda.
Até os Juizados Especiais, criados para desafogar o Judiciário e apontados como opção para reduzir as querelas legais, pelos números do CNJ percebe-se que vão pelo mesmo caminho das outras serventias, ficarão congestionados.
Há dois caminhos a serem tomados, a revisão do Código de Processo Civil, para acelerar o rito dos processos e reduzir a infinidade de possibilidade de recursos; e a boa ideia da súmula vinculante, em que uma decisão seja válida para outros processos semelhantes.
Porém, enquanto a teoria não se torna realidade, a presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo abre mais e mais concursos públicos para colocar mais servidores em salas abarrotadas de processos. Medida que parece placebo com o passar do tempo, porque a tendência é de estrangulamento do sistema.
Parte da responsabilidade cabe a deputados e senadores, agendados para votar as reformas necessárias ao sistema judiciário. Difícil acreditar que eles o façam, porque se tudo tramitar mais rápido, eles próprios serão julgados com seleridade. Talvez, esteja aí a explicação para a sobrecarga legal.

Postado na edição nº 9709, do dia 21, 22 e 23 junho de 2014.