Limpando o cérebro

Wagner Zaparoli

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Recentemente uma equipe internacional de pesquisadores da China, Inglaterra e Espanha anunciou uma descoberta promissora no combate ao Alzheimer. O estudo, publicado em outubro deste ano na revista Signal Transduction and Targeted Therapy, descreve novo processo capaz de ajudar o cérebro a eliminar com mais eficiência e rapidez as famigeradas placas amiloides, formadas por agregados da proteína beta-amiloide.

Para o leitor que não está familiarizado com a doença, o Alzheimer ainda não tem cura, embora cientistas do mundo todo se dediquem intensamente a compreendê-lo. As evidências atuais apontam que ele resulta de múltiplos gatilhos que, ao longo da vida, provocam a degeneração progressiva do cérebro, levando à perda gradual da memória e, nos estágios avançados, à completa desorientação do indivíduo.

Entre os principais responsáveis estão as placas amiloides, acúmulos observados em autópsias de pacientes que parecem enfraquecer as sinapses e até destruir neurônios, comprometendo de forma devastadora as funções cognitivas.

 

A barreira fundamental

Nosso cérebro desenvolveu, ao longo de milhões de anos, elementos de defesa com o objetivo de mantê-lo íntegro e em pleno funcionamento. Um dos mais importantes desses elementos é a denominada barreira hematoencefálica (BHE), cujo principal objetivo é regular a entrada e a saída de substâncias indesejadas no cérebro que possam causar prejuízo a ele e a todo processo cerebral.

Para entendermos de fato a sua grande importância, imagine o fluxo sanguíneo para o cérebro como um riacho que carrega muitas coisas (folhas, galhos, pedras e até lixo, principalmente nos dias de hoje). A BHE seria um filtro natural sofisticado (como camadas de pedras, areia e raízes de plantas) que permite a passagem apenas da água pura (nutrientes e oxigênio essenciais) para nutrir uma lagoa especial e sensível (o cérebro), barrando as impurezas e detritos. Quanto melhor funciona  essa barreira, tanto melhor é a qualidade de vida de nosso cérebro. O contrário também é válido: se a barreira apresenta deficiências, nosso cérebro acaba por sofrer os impactos. É justamente nesse ponto que entra o trabalho dessa equipe transnacional.

 

Identificando as deficiências

Entre os principais componentes da BHE, destacam-se as células endoteliais, responsáveis por formar uma barreira física e seletiva que controla rigorosamente a passagem de substâncias do sangue para o cérebro. Diferentemente das de outras regiões do corpo, essas células se unem de forma extremamente compacta, permitindo apenas a entrada de nutrientes vitais, como glicose e oxigênio, enquanto bloqueiam toxinas, microrganismos e a maioria dos medicamentos. Além disso, atuam ativamente na remoção de substâncias indesejadas, como as beta-amiloides.
Pesquisas em modelos de Alzheimer, tanto humanos quanto animais, revelam que essas células perdem parte dessa eficiência ao longo da vida, o que favorece o acúmulo das beta-amiloides ao redor dos vasos cerebrais, comprometendo sua drenagem e contribuindo para a progressão da doença.

 

Soluções para limpeza decisiva

O principal objetivo dos pesquisadores foi criar e testar nova estratégia capaz de agir diretamente sobre a barreira hematoencefálica, acelerando a remoção das beta-amiloides e, com isso, restaurando as funções cognitivas em modelos animais de Alzheimer. Para isso, desenvolveram nanopartículas feitas de polímeros especialmente projetadas para auxiliar a barreira e seus componentes a expulsar essas proteínas do cérebro, mantendo-o mais limpo e funcional.

Os resultados foram animadores: após a aplicação intravenosa das nanopartículas em camundongos geneticamente modificados para acumular beta-amiloide, observou-se, em apenas duas horas, a redução de cerca de 45% dos níveis dessa substância no cérebro. O achado indica que as nanopartículas conseguiram ativar o mecanismo natural de “escoamento” das beta-amiloides do cérebro para o sangue, passo promissor rumo a novas terapias contra o Alzheimer.

Os autores argumentam que esse estudo muda o paradigma terapêutico para a doença de Alzheimer. Em vez de apenas tentar remover placas beta-amiloides ou aumentar a entrega de fármacos ao cérebro, essa abordagem “repara” o sistema de transporte da barreira hematoencefálica, que é parte importante da causa da doença.

E, embora com muitos desafios pela frente, essa abordagem poderia ser aplicada não apenas à doença de Alzheimer, mas também a outras doenças neurológicas em que a barreira está comprometida, como a doença de Parkinson ou esclerose lateral amiotrófica (ELA).

Façamos parte da torcida, então, para um futuro próximo e promissor!

 

(Colaboração de Wagner Zapparoli, Doutor em Ciências pela USP, Professor Universitário e Consultor em Tecnologia da Informação).

Publicado na edição 10.972, quarta, quinta e sexta-feira, 3, 4 e 5 de dezembro de 2025 – Ano 101