Para quem estudou na São Francisco, como eu, ou que vivenciou o centro de São Paulo, deve ter ouvido falar da Tribuna Livre em frente à faculdade do Largo de São Francisco. Trata-se de um território livre em que a liberdade de expressão é garantida. Ela foi idealizada em 1930, certamente em reação à ditadura instalada no país naquele ano. Na Tribuna Livre só vi estudantes durante as “Peruadas”[1] ou alguns poucos oradores em eventos programados para celebrar alguma data ou evento especial na faculdade. Sempre esteve às moscas. Na Praça da Sé via-se de tudo: de pretendentes a Pastor, a lunáticos de toda ordem defendendo suas ideias e crenças. Liberdade de expressão sempre houve, ainda mais nos dias atuais. Os espaços estão todos aí, à disposição. As manifestações nas cidades, dos mais diferentes setores e tendências da sociedade, são reflexo disso. Não se depende de plataformas de mídias sociais para se fazer ouvir. Mas elas são convenientes, dado o seu alcance e capilaridade. As notícias e informações se disseminam de maneira muito veloz e sem qualquer controle. São verdadeiras catalisadoras de toda sorte de expressão e opinião. Qualquer pessoa pode se valer delas para externar suas ideias e, muitas vezes, no aconchego do seu anonimato. E sem qualquer compromisso ou responsabilidade com a apuração dos fatos e com a verdade, como deve se dar no jornalismo, por exemplo. Não raro, replica-se, no rastro e impulsionado pela força dos algoritmos. Basta um clique e pronto. Alea jacta est[2]. Na realidade um infortúnio. Esse o grande atrativo se a intenção é prejudicar ou disseminar notícias falsas. Se as plataformas fossem usadas somente para trazer os benefícios a elas inerentes ou para exprimir ideias e posições dentro dos limites conferidos pela liberdade de expressão, seria razoável. Mas não são. Elas causam estragos, muitas vezes irreversíveis. Esse é o grande problema. A suposição de que o controle sobre as grandes plataformas constituiria vedação à liberdade de expressão seria equivalente a dizer que o direito de ir e vir, também previsto na Constituição, só estaria garantido no Brasil se se conferisse a cada brasileiro a propriedade de um veículo automotor, qualquer que fosse ele. Mas ninguém se atreveria a dizer que haveria violação àquele direito porque nem todos no país dispõem de um veículo. A conveniência da argumentação atende aos interesses das grandes
empresas de mídia e tecnologia e mais recentemente dos disseminadores de “fake news”. Aquelas faturam bilhões em detrimento daqueles que têm os seus direitos violados. Estes propagam notícias falsas de forma deliberada, alcançando seu desiderato, seja para atingir pessoas específicas ou ideias contrárias às suas ou aos seus interesses. Possibilidade de controle existe, mas certamente não interessa. Sites falsos proliferam nas redes e prejudicam consumidores. E continuam lá, sem qualquer controle. Além de notícias que destroem pessoas, políticas públicas, ideias etc., num piscar de olhos, muitas vezes sabidamente falsas. As plataformas conhecem nossas vidas mais do que se possa imaginar. Quanto maior a polêmica causada, maior a atratividade gerada, maiores são seus lucros. E como já dito, tudo impulsionado pelos algoritmos. Daí porque importante a sua responsabilização, independentemente de qualquer decisão judicial. Depender de uma ordem judicial, pelo interessado, para preservar os seus direitos não faz qualquer sentido. Pode vir tarde demais. E, se há responsabilidade das plataformas se não cumprida a decisão, é porque, de fato, o direito invocado estava ou teria grande probabilidade de estar sendo violado. Situações mais sensíveis, como pornografia infantil, já contam com controle. Reconhecendo-se sua responsabilidade, certamente esse controle seria ampliado. Há situações de violações tão flagrantes que até um cego vê, conforme dito popular. Não se pode conceber tamanha proteção e ausência de responsabilidade nos dias atuais. O resto é cortina de fumaça.
(Colaboração de Paulo Bezerra de Menezes Reiff, bebedourense, advogado com atuação em Direito Civil e Comercial/Empresarial/Consultivo e Contencioso).
Publicado na edição 10.930, de sábado a quarta-feira, 14 a 18 de junho de 2025 – Ano 101