
A Suprema Corte dos Estados Unidos, tribunal responsável pela análise de questões constitucionais naquele país, decidiu, no último dia 4 de março, que o candidato Donald J. Trump pode concorrer à presidência da nação nas eleições de novembro – isso, claro, se ele for o escolhido pelo Partido Republicano nas prévias eleitorais, o que parece ser o cenário mais provável.
O contexto da história é o seguinte: o candidato Trump havia sido julgado e condenado por um tribunal do estado do Colorado, tendo sido declarada a impossibilidade de que concorresse ao cargo de presidente do país, ao menos naquele estado, pois teria violado a Constituição dos Estados Unidos da América (EUA) ao supostamente participar, indiretamente, da insurreição e invasão do Capitólio, em Washington, em 6 de janeiro de 2021. Trump recorreu à Suprema Corte que, ao analisar o caso, derrubou a decisão do estado do Colorado e, assim, retirou o impedimento de que o candidato Trump permaneça na corrida eleitoral.
Sem julgamentos de mérito sobre o caso e sem considerar as especificidades do caso (isto é, se Trump participou ou não da insurreição de 6 de janeiro de 2021), o que fica da decisão da Suprema Corte dos EUA são algumas lições a respeito de democracia, separação de Poderes e participação da sociedade nas principais decisões do país. Independentemente de se gostar ou não do candidato e seus métodos políticos, o veredicto do principal tribunal dos EUA demonstra a maturidade democrática e institucional daquele país.
Primeiro, porque a decisão foi inânime entre os nove integrantes da Corte. Isso é positivo, na medida em que parcela dos juízes foi nomeada por ex-presidentes integrantes do Partido Democrata, contrários politicamente, em tese, à inclinação do candidato e polo passivo da controvérsia, Donald J. Trump, que é integrante do Partido Republicano. Positivo, pois dada a unanimidade da decisão, os juízes indicados por presidentes do Partido Democrata e que, em tese, têm visões de mundo e posições pessoais contrárias às do Partido Republicano, não se deixaram influenciar por inclinações pessoais ao julgar um, em tese, opositor político. Posições pessoais não prevaleceram sobre os interesses do país, um grande gesto de maturidade institucional.
Segundo, no sentido de que os integrantes da Suprema Corte entenderam que a decisão de participação ou não do candidato no pleito em novembro não cabia ao Poder Judiciário, pois não seria de competência deste Poder definir, no caso, quem poderia ou não concorrer à presidência do país. Esse posicionamento dos juízes constitucionais demonstra não apenas um desprendimento ao poder e um enorme respeito à Constituição do país, já que abriram mão, nos termos da norma constitucional, de decidir algo que, no entendimento deles, não os cabia definir, como também ressalta a maturidade democrática dos EUA, pois caberá aos eleitores definir, conforme julgamento deles, nas primárias e eventualmente no pleito em novembro, se o provável candidato Trump deve ou não ser eleito para a presidência. Um atestado de confiança no povo, nas instituições e na democracia.
Por fim, em terceiro, a decisão da Suprema Corte dos EUA é relevante, na medida em que expõe que aquele colegiado julga matéria constitucional, apenas, e conforme a Constituição, apenas, sem se apegar a questões ideológicas ou partidárias, entendendo seu papel em uma democracia consolidada e não se inserindo em questões e discussões que fogem à competência constitucionalmente definida para o tribunal em questão. Ademais, os juízes se manifestaram sobre a questão apenas nos autos do processo, como deve ser, sem a busca por holofotes ou através de posicionamentos descabidos e em situações e por meios inadequados. Uma lição de comedimento pessoal e responsabilidade institucional.
Vale reiterar que a análise aqui empreendida não visa o mérito da discussão, tampouco o candidato Trump e seu comportamento, mas sim ressaltar a maturidade institucional e democrática da decisão e do posicionamento da Suprema Corte dos EUA sobre temas sensíveis ao país, às eleições presidenciais e ao equilíbrio de Poderes em uma democracia consolidada. Um exemplo para todas as democracias do mundo e um voto de confiança mútua entre o povo, seus representantes e os Poderes instituídos.
(Colaboração de José Mário Neves David, advogado e consultor. Contato: [email protected]).
Publicado na edição 10.827, de sábado a terça-feira, 9 a 12 de março de 2024