Mentes perdidas

Wagner Zaparoli

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Ainda não existe cura para o Alzheimer. Digo “ainda” porque tem muita gente tentando encontrar as causas dessa terrível doença e de suas respectivas soluções. De uma forma geral, muitos acreditam que em alguns anos chegaremos lá. Para os doentes em fase avançada, a cura possivelmente não será um caminho viável, mas, para as próximas gerações de doentes, existe uma grande esperança.

Pelos caminhos
da história
Em um encontro de psiquiatras do sudoeste da Alemanha, dr. Alois Alzheimer – médico de Munique – se dirigiu a uma platéia de cerca de cem convidados para expor o caso de Auguste Deter, uma típica dona de casa de 56 anos que chegara até ele quatro anos antes com sintomas paranóicos e fantasiosos, perda de memória e desorientação espacial.
Era 3 de novembro de 1906, e Alois foi a fundo na explicação, mostrando que o cérebro dissecado de Auguste apresentava sinistramente manchas negras, as quais posteriormente viriam a ser conhecidas como placas e emaranhados – as proteínas que destroem o cérebro. Embora Alois Alzheimer tenha sido assertivo e detalhista em sua palestra, ao seu final observou-se apenas um absoluto silêncio, um completo desinteresse da platéia sobre o caso, considerado hoje o primeiro registro da ciência sobre esse mal.
Em 1910, no entanto, seus esforços em tentar entender e desvendar os mistérios dessa doença foram finalmente reconhecidos, ocasião da publicação do livro Manual da psiquiatria, escrito pelo psiquiatra mundialmente famoso Emil Kraepelin, em que cunhou a expressão mal de Alzheimer pela primeira vez.
Alois Alzheimer faleceu muito jovem, aos 51 anos, de ataque cardíaco. Deixou, contudo, um legado de importância maior, revelando ao mundo uma doença que na alvorada do século XXI seria considerada uma das piores e devastadoras doenças a afligir a humanidade.

Cérebro sob
ataque
O cérebro de um paciente com o mal de Alzheimer, na verdade, está sob um feroz ataque. Depois de hibernar por anos ou até décadas no cérebro, um conjunto de proteínas começa a se espalhar e literalmente devorá-lo. No hipocampo – região responsável pela memória – as proteínas destroem justamente a capacidade de criação de novas memórias, desorganizam por completo o mecanismo interno de transporte dos neurônios e provocam uma tempestade neurotóxica que estimula o sistema imunológico a reagir, infelizmente tarde demais.
Neurônios vão caindo, um a um como peças de dominó. Em poucos anos o lobo frontal e o córtex cerebral começam a perecer, comprometendo o humor, a noção de espaço, o reconhecimento fácil e a memória de longo prazo. Depois de cerca de oito anos o cérebro não passa do peso de uma tangerina, encolhendo três vezes mais do que ocorre no envelhecimento normal.

Uma doença
para a família
Eu, particularmente, tomei contato com essa doença no âmbito familiar. Duas tias, uma pelo lado paterno e outra pelo materno, me fizeram conhecer o seu lado devorador. Invariavelmente os sintomas da doença envolvem o ambiente ao seu redor e quem nele vive, principalmente a família. Não é fácil ver um ente querido, depois de anos de perene e saudável convivência, ir se apagando com o coração batendo, respiração fluindo e olhos abertos. Principalmente porque o sentimento de impotência se mostra duramente cruel. Não à toa que muitos parentes, depois da perda dos entes, acabam por sucumbir a uma depressão avassaladora.

Tentando
algumas opções
A despeito do orçamento mundial para a pesquisa do Alzheimer ser infinitamente menor do que o orçamento destinado ao combate ao câncer, ainda assim existe muita pesquisa sendo feita mundo afora para entender melhor o mecanismo desse grande mal que em anos vindouros poderá envolver a humanidade em uma grande epidemia. A ciência está correndo a passos largos.
Diagnóstico precoce é crucial. Para o Alzheimer vale o ditado “quando antes, melhor”. Concomitante, manter o convívio social e familiar é indispensável. Entes queridos à volta tem um efeito sensivelmente positivo no ânimo e bem-estar de quem está doente. Como também comer bem, consumir menos álcool, exercitar-se mais e ficar mentalmente ativo. Nada disso vai curar o Alzheimer, mas pode ajudar a se ter uma vida bem melhor.
E caso haja interesse no assunto, o livro Em busca da memória, de Joseph Jebelli, é uma boa dica.

(Colaboração de Wagner Zaparoli, doutor em ciências pela USP, professor universitário e consultor em tecnologia da informação).

(…)

Publicado na edição 10369, 28 de fevereiro e 1º de março de 2019.