Não precisamos de heróis

José Mário Neves David

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Uma característica comum ao cidadão médio é a busca por heróis. Necessitamos de referências na música, no esporte, na política, na sociedade. Pessoas que são elevadas à condição de perfeição e inquestionabilidade, e que servem de farol em momentos de incerteza. Mas essa característica social é perigosa.

É da natureza humana reverenciar determinadas pessoas pelos seus atributos – em alguns casos, infelizmente, pela falta deles. Na condição de grupos sociais, somos um bando desenvolvido ao longo dos tempos que ainda necessita de líderes e referências em momentos de alegria e de medo. Talvez existam explicações técnicas e psicossociais para esta condição humana, e não cabe aqui adentrar nessa seara. O que se aborda é a necessidade quase incondicional pela elevação de algumas pessoas ao posto de especiais.

Voltando ao chão e à realidade brasileira em tempos de eleições, há uma certa necessidade misturada com esperança em cada um de nós a cada dois anos. Nos processos eleitorais, seja o de alcance municipal, seja o que elege mandatários e parlamentares em âmbito estadual e federal, é certo que buscamos nos candidatos uma luz para os problemas que afligem nosso cotidiano, alguns deles estruturais e que estão em nossa realidade há muito tempo, eleição após eleição.

Neste contexto de escolha política, quase sempre há uma comoção em torno de candidatos e suas personalidades, sem que, contudo, seja dada a devida atenção às propostas de cada um. Mais do que uma pessoa legal e simpática, precisamos de políticos que apresentem e busquem soluções para as mazelas da sociedade brasileira.

Conforme já abordado em artigos passados, há um certo sebastianismo em nosso comportamento, uma espera desmedida por salvadores da pátria que chegarão em um cavalo branco e resolverão todos os problemas aí postos – inclusive quem já teve a oportunidade de fazê-lo e não o fez. A política é dinâmica, as realidades do passado e do presente são distintas, os acontecimentos de outrora mudaram o rumo das naus, porém, acreditar que agora será diferente pode soar um pouco ingênuo, a depender do ponto de vista do eleitor.

O Brasil é uma democracia vibrante e relativamente jovem, nascida há não muito mais do que três décadas. O processo democrático é moroso e se aprimora com o tempo, por isso é tão importante que as instituições democráticas sejam fortes, estáveis e previsíveis em certa medida, a fim de que os valores principais e formadores de uma nação sejam preservados em tempos conturbados.

Contudo, soa ultrapassado e, até certa medida, ineficiente esperar que uma figura específica será a solução para todos os problemas. Uma democracia forte e vibrante, como a brasileira, demanda políticos responsáveis, transparentes e que prezem minimamente pelo bem da população, indicando o caminho para a resolução das questões que mais diretamente afetam a realidade do país. Em outras palavras, não há espaço para salvadores da pátria em um contexto democrático e republicano como o brasileiro – políticos servem ao povo, e não o contrário, e nesta condição devem respostas à população.

Assim, é importante considerar que a figura do político salvador e pai – ou mãe – do povo não nos leva a lugar algum, apenas favorece o mandatário em posto. Não cabe veneração quando o assunto é a definição de políticas públicas, proposição e aprovação de leis e preparação e execução de orçamentos, mas sim acompanhamento do trabalho realizado e, se necessário, cobrança pela execução do plano de governo e propostas apresentadas em tempos de eleições, seja quem for o(a) político(a) eleito(a).

Não precisamos de heróis, tampouco ídolos ou pessoas acima do bem e do mal. Necessitamos de mulheres e homens comuns comprometidos com a democracia, a liberdade, o zelo pela coisa pública e, acima de tudo, a moral e a ética, valores tão pouco valorizados nas últimas décadas. Não eleja heróis, vote conscientemente em pessoas.

(José Mário Neves David é advogado e consultor. Contato: [email protected].)

Publicado na edição 10.693, de sábado a terça-feira, 20 a 23 de agosto de 2022.