O Agro é Tech, mas a prosa é fundamental

Rodrigo Toler

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O agronegócio brasileiro tem se reinventado a uma velocidade vertiginosa e cada vez mais se abre a um cenário high-tech, onde a Inteligência Artificial, a Internet das Coisas e o Big Data não são mais promessas futuristas, mas soluções consolidadas que impulsionam a produtividade e a eficiência da porteira para dentro.

Em meio a essa revolução digital que configura a Agricultura 6.0, emerge um paradoxo crucial: o avanço tecnológico, por si só, não tem sido suficiente para sanar carências estruturais históricas, notadamente no que tange às estratégias de crédito e à segurança do patrimônio líquido do produtor. Neste contexto, a governança robusta, a transparência e, sobretudo, a construção de relações de confiança genuínas – muitas vezes seladas no tradicional “fio do bigode” – revelam-se não apenas complementares, mas fundamentais.

É neste intrincado cenário que as fragilidades no acesso e na adequação do crédito rural se tornam ainda mais evidentes. Embora o volume de recursos para o setor venha crescendo, como aponta o Estadão Agro ao reportar que os títulos privados do agronegócio (LCA, CRA e CDCA) registraram aumento de 28% em doze meses, as instituições financeiras ainda enfrentam o desafio de decifrar a complexa dinâmica do campo.

Não basta analisar balanços; é preciso compreender a fundo o impacto de quebras de safra, a volatilidade imposta por condições climáticas extremas, a dependência de insumos importados, a forte (e desarrazoada) pressão internacional por exigências regulamentares mais rígidas e o fluxo de caixa singular do produtor, que não se assemelha ao de outros setores da economia.

A rentabilidade obtida no campo nem sempre se traduz em segurança patrimonial e liquidez efetiva. Um indicativo preocupante dessa realidade é o aumento da inadimplência: segundo dados da Serasa Experian, a inadimplência no agronegócio entre produtores pessoa física cresceu aproximadamente 13% em um ano, atingindo cerca de 480 mil produtores.

A ausência de um planejamento financeiro e sucessório robusto, aliada à complexidade tributária e à exposição a riscos diversos, pode minar a sustentabilidade de negócios familiares e até mesmo de grandes conglomerados rurais ao longo do tempo. Essa pressão financeira tem levado a um aumento alarmante nos pedidos de recuperação judicial, que tem reflexo direto nas dificuldades enfrentadas e, muitas vezes, na carência de um diálogo preventivo e estratégico.

A tecnologia, com seus modelos preditivos e análises de risco mais sofisticadas, pode e deve ser uma aliada. Todavia, ela não substitui a “prosa”: a capacidade de construir um relacionamento próximo, de sentar para conversar, entender as dores e as necessidades específicas de cada cliente rural, e de customizar soluções financeiras que verdadeiramente impulsionem seu crescimento sustentável.

É resgatar a sabedoria ancestral de não colocar a carroça à frente dos bois.

O futuro do agronegócio brasileiro, para que continue sua trajetória de sucesso e relevância global, depende da construção de pontes de confiança, da segurança jurídica e da inteligência financeira necessárias para que essa modernização se traduza em prosperidade duradoura para o produtor e para o país.

É necessário entender essa arte do diálogo, compreendendo que, por trás de cada propriedade rural, existe um ciclo de vida, com riscos e oportunidades únicos. Somente assim, unindo a vanguarda tecnológica à sabedoria da conversa sincera, poderemos semear um ecossistema de crédito mais saudável e um agronegócio verdadeiramente resiliente e preparado para os desafios do século XXI.

(Colaboração de Rodrigo Toler, advogado, mestre em Direito, Tecnologia e Desenvolvimento pelo IDP, com especialização em Direito Digital e Agronegócio. Email: [email protected]).

Publicado na edição 10.931, de quinta a sexta-feira, 19 a 27 de junho de 2025 – Ano 101