
“O cérebro de um inseto tem o tamanho de uma semente de grama e não foi feito para pensar”. Essa frase foi proferida em 1962 por um dos maiores pesquisadores sobre o comportamento dos insetos, Karl von Frisch (1886 – 1982), etologista alemão, vencedor do Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 1973. Entre outros assuntos, von Frisch se destacou nos estudos das percepções sensoriais das abelhas, entendendo a sua capacidade em distinguir cores, cheiros, poder de orientação muitas vezes baseado na radiação solar, além de sua capacidade de comunicação.
Embora tenha chegado à conclusão sobre a falta de uma estrutura de pensamento, von Frisch revelou ao mundo que um cérebro restrito a apenas 1 milímetro cúbico e 1 milhão de neurônios (em comparação ao humano que possui 1.200 centímetros cúbicos e 86 bilhões de neurônios) consegue desempenhar inúmeras funções e está sempre pronto a evoluir.
À luz do aprendizado
Em 2012 dois pesquisadores brasileiros, os psicólogos Antonio Mauricio Moreno e Deisy de Souza, ambos da Universidade Federal de São Carlos, juntamente com a entomóloga Judith Reinhard, da Universidade de Queensland, Austrália, publicaram um artigo na revista PLoS One descrevendo a pesquisa que realizaram com abelhas da espécie Apis mellifera (abelha-europeia). A ideia principal do trabalho era entender a capacidade de aprendizado das abelhas frente a alguns desafios propostos pela equipe.
Um deles dava conta do método da discriminação simples: colocaram próximos à colmeia dois bebedouros com rótulos coloridos (por exemplo, azul e amarelo), um contendo água e outro um xarope adocicado. Depois de apenas algumas horas de treinamento era possível observar que as abelhas haviam aprendido a distinguir as cores e identificar exatamente aquele bebedouro em que o xarope estava. Mesmo a troca de cores e a posição dos bebedouros não impediram o aprendizado das abelhas, que de uma forma ou de outra, voavam certeiramente para o xarope.
A discriminação condicional
A lógica condicional faz parte do nosso cotidiano. Usamo-la o tempo todo, mesmo que não a pensemos de forma sistematizada. Vejam alguns exemplos: se estiver chovendo, abro o guarda-chuva; se o sinal estiver verde, posso seguir; se a padaria estiver aberta, posso comprar o pão; se for domingo, poderei ir à feira. Assim como nessas ou em outras milhares de combinações, fazemos da lógica condicional uma trivialidade para realizar as nossas atividades, resolver os nossos problemas ou simplesmente seguir o nosso caminho.
Mas, o que dizer das abelhas? Será que elas também conseguiriam utilizar a lógica condicional para fazer as suas escolhas?
Para responder a estas questões os pesquisadores realizaram um experimento que dispunha dois bebedouros ao final de um duto de alguns centímetros, um com água e o outro com xarope adocicado, ambos identificados com rótulos coloridos (como no experimento anterior). Para a abelha alcançar o bebedouro contendo xarope, ela deveria voar por dentro do duto até o seu final, identificar pela cor o rótulo do xarope e acessá-lo normalmente. Até então não há novidades em relação ao experimento anterior. Para aplicar a discriminação condicional, os pesquisadores colocaram no meio do duto, um tampão com um pequeno furo por onde a abelha poderia passar. Neste tampão afixaram um rótulo com listras em preto e branco, ora horizontais, ora verticais.
Estava pronto o aparato: se as listras do tampão fossem verticais, o bebedouro com o xarope seria identificado com o rótulo amarelo. Se as listras do tampão fossem horizontais, o bebedouro com o xarope seria identificado com o rótulo azul. Esse era o desafio condicional que as abelhas deveriam aprender para poder se beneficiar da água adocicada ao passar pelo tampão com as listras.
Os resultados foram positivos na visão dos pesquisadores: depois de seis dias de treinamento, 70% delas aprenderam a lidar com a discriminação condicional e chegar certeiramente ao xarope, mesmo quando os bebedouros eram trocados de lugar ou de rótulos.
A importância dessas pesquisas, entre outros fatores, reside na ideia remanescente de que somente os seres vertebrados, com os seus cérebros sensivelmente maiores, teriam condições de exercer aprendizado abstrato, como a discriminação condicional. Os resultados mostraram que isso não é bem verdade e que um invertebrado com cérebro de apenas 1 milhão de neurônios também pode chegar lá.
Publicado na edição nº 9883, dos dias 27 e 28 de agosto de 2015.