
O Governo Bolsonaro apresenta visão estreita e, pior, equivocada do campo da educação brasileira, mormente na área de estudos das Humanidades e das Ciências Sociais. Já nos primeiros discursos na condição de presidente, houve abundante e raso uso do conceito de ideologia e, obviamente, da ideia forçada de que a educação brasileira apresenta índices vergonhosos por conta da ideologia esquerdizante que paira sobre as universidades. O ataque, portanto, seria em dois fronts: extirpar o marxismo cultural (termo vago, impreciso mesmo) e Paulo Freire, importante educador nacional e de expressão internacional por conta de seus trabalhos.
A reação dos jornais e revistas, principalmente, foi intensa em relação às afirmações de que a Filosofia e a Sociologia deveriam receber menos recursos do governo e que a intenção era investir em áreas que “gerem retorno imediato ao contribuinte, como veterinária, engenharia e medicina”, afirmou Bolsonaro nas redes sociais, citando o Ministro da Educação Abraham Weintraub. Essa afirmação, por si só, é falaciosa, duplamente. Em primeiro lugar, o jovem que decide estudar Filosofia, Sociologia ou qualquer outro curso das Humanidades é, também, contribuinte, pagador de impostos, bem como são seus pais. Assim, nesse caso, já há patente ilegalidade e elementos contrários ao espírito republicano, de igualdade perante a lei, de tratamento impessoal por parte do administrador público. A outra falácia é fazer a sociedade crer que os gastos com esses cursos sejam altos.
Em “Como Bolsonaro vê a educação”, publicado no Estadão, em 04/05/2019, pode-se citar esse trecho, à guisa de esclarecimento: “De 1.283.431 alunos de graduação das universidades federais, apenas 25.904 estão cursando filosofia ou sociologia. Estas duas áreas mantêm 66 programas de mestrado e doutorado nas universidades federais, o que representa apenas 2,5% do total de programas de pós-graduação nestas instituições. Em matéria de financiamento, os projetos de sociologia e filosofia recebem apenas 1,4% do total dos financiamentos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)”. Eis, aqui, o busílis da questão: o ataque não é no campo quantitativo e sim qualitativo. Não é quantidade de recursos investidos que gera tal ação de estrangulamento e sim os aspectos atinentes à produção científica crítica, que desnuda discursos políticos que não condizem com a realidade dos fatos. Nestas plagas, o conceito de pós-verdade fincou raízes profundas e é, cotidianamente, compartilhado nas redes sociais para que a sociedade, já de poucos leitores, se deixe seduzir pelo discurso oficial, porém, errado.
Noutro episódio, o ministro Weintraub asseverou que haveria “contingenciamento” de recursos para universidades que promoveriam “balbúrdia” (entendia como festas, manifestações artísticas e políticas). Novamente, desconhecimento e pós-verdade: a liberdade de expressão, bem como a autonomia das universidades são garantidas por lei. Depois da fala e da indignação que causou, o MEC indica que o corte não seria apenas para as instituições da “balbúrdia” e sim para todas as Federais. E, não faz muito, a comunidade acadêmica recebe a notícia de que bolsas de pós-graduação – mestrado, doutorado e pós-doutorado – também serão suprimidas. Não nos enganemos. O ataque não se restringe às Humanidades, mas à educação brasileira, em suas várias dimensões.
Simon Schwartzman, sociólogo e especialista em educação, aduziu em seu artigo “A era das Ciências Sociais”, publicado na Revista Veja, em 08/05/19, que: “A hostilidade manifestada pelo governo contra a área de ciências sociais parece explicar-se por uma combinação de desconhecimento dos números e da natureza da área social aliado a um preconceito de tipo ideológico – a sociologia e a filosofia seriam focos de ideologias marxistas, que precisariam ser extirpadas. Quem conhece de perto essas áreas de estudo, no entanto, sabe que o marxismo ocupa nelas um lugar bastante reduzido, embora persista, de forma simplificada, em alguns setores e nas manifestações de movimentos políticos ligados ao setor de educação – nada muito diferente do que se dá no resto do mundo. A preocupação com os problemas de pobreza, desigualdade social, direitos humanos e discriminação social faz parte do patrimônio humanístico contemporâneo, diz respeito a temas centrais a uma sociedade tão desigual como a nossa e independente de filiação a esta ou aquela corrente filosófica, sociológica, jurídica ou econômica. E a melhor maneira de reduzi-las é trabalhar para que estes problemas deixem de existir”.
O Brasil está em posições vergonhosas no PISA (aferindo Ciências, Matemática e Leitura), ou seja, nossa educação vai mal – e vai mesmo – não por conta da existência de Paulo Freire, de Sociologia, de estudos de gênero, etc. Nossa educação ostenta índices desgraçados em todas as áreas: Humanidades, Exatas e Biológicas. Somos, ainda, o último colocado numa pesquisa entre 35 países em relação ao prestígio do professor, com dados de 2018, apresentados pela Varkey Foundation. No ranking de produtividade, o país está na 50ª posição em relação a 68 economias analisadas, segundo estudo da FGV. Quando nos afastamos da superficialidade ideológica propagada pela retórica governamental, podemos verificar que os problemas na educação brasileira não se limitam à universidade ou a cursos específicos. É um problema global: em todas as instâncias do ensino e as consequências são verificáveis na mão de obra ofertada no mercado de trabalho.
Bolsonaro e parte de seus ministros assumem, prioritariamente, uma pauta ideológica que agrada assaz os bolsonaristas, num anti-intelectualísmo evidente. Numa saraivada de fake news e pós-verdades objetiva-se sufocar o senso crítico, a ciência e a educação. Não conseguirão, por certo. Retrocessos deverão ocorrer e com aplausos, infelizmente, de muitos membros da comunidade acadêmica. Todavia, políticos, sejam quais forem, estão “no” poder, mas não são “o” poder.
(Colaboração de Rodrigo Augusto Prando, cientista político, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, bacharel e licenciado em ciências sociais, mestre e doutor em Sociologia, pela Unesp/FCLAr).
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Publicado na edição 10399, de 1º a 4 de junho de 2019.