O que queremos enquanto nação?

José Mário Neves David

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Eventos recentes envolvendo conflito entre Poderes da República abriram espaço, novamente, para algumas reflexões acerca do Brasil. Mais especificamente, fomos tragados de volta para nossos pensamentos acerca do futuro do país. Afinal, o que queremos enquanto nação?

No Primeiro Ato, os Senadores da República aprovaram recentemente um projeto de lei que limita as possibilidades de tomada de decisões monocráticas pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Alguns Ministros não gostaram da investida legislativa, aparentemente bastante legítima, e consideraram essa atitude de uma das Casas do Parlamento como uma afronta ao Poder Judiciário, à separação de Poderes prevista na Constituição Federal e a eles mesmos.

A proposta faz muito sentido, vez que o STF é, como o próprio nome diz, um tribunal, cujas decisões colegiadas, tomadas em Plenário ou, talvez, em Turmas, deveriam prevalecer no cotidiano da Corte. As decisões monocráticas, ainda que legítimas, estão se tornando demasiadamente frequentes e dão enorme poder para que uma única pessoa decida algo que implica a vida de milhões e milhões de brasileiros. Como Corte Constitucional, e considerando os naturais vieses das decisões solitárias e carentes de debates, é importante que o STF privilegie as decisões colegiadas, e que estas sejam a regra, e não a exceção.

No Segundo Ato, foram feitas as indicações dos nomes dos candidatos a novo Ministro do STF e a Procurador-Geral da República (PGR). Ambas as indicações deverão ser objeto de sabatina e análise por parte dos componentes do Senado Federal, possivelmente em meados de dezembro. Os nomes, especialmente do candidato a Ministro da Corte Constitucional, não agradaram muito a determinadas parcelas da população.

Enquanto o potencial PGR é considerado, nos bastidores de Brasília, muito próximo de outras figuras de poder – o que pode enviesar suas decisões e reduzir os freios constitucionais cabíveis a sua provável posição de principal acusador do país –, o perfil do possível novo Ministro do STF é visto como muito político e expansivo para uma posição que demanda equilíbrio, isenção e comedimento – ao menos no papel. Vejamos se terão suas indicações aprovadas.

Tanto no Primeiro quanto no Segundo Ato, fica claro que alguns limites constitucionais vêm sendo esticados ou, ao menos, testados. Em algumas situações, pelas forças das circunstâncias; em outras, pela omissão ou vácuo de poder; em outras, pela politização de atos e ações de forma indevida. Os Poderes da República – Legislativo, Executivo e Judiciário – são harmônicos e independentes, havendo uma teia de relação entre eles que permite que se respeitem e limitem as forças uns dos outros, de forma a mitigar eventuais abusos, excessos e desconformidades.

Nesse contexto, é importante que todos os personagens da República tenham plena consciência de suas atribuições e, principalmente, dos limites que devem ser impostos aos seus atos e opiniões. O conflito ou o mero esgarçamento da teia social não gera benefícios para ninguém, muito menos para o país. Assim, os atores da República devem utilizar o pensamento crítico para sopesar a conveniência e pertinência de seus atos, sempre de olho na Constituição Federal, seus limites e outorga de competências. É nela que devemos buscar o farol para nossa caminhada enquanto nação, e é dela que surgem as ferramentas e mecanismos para barrar os excessos e arbítrios. Que tenhamos a coragem de usá-los se e quando necessário.

(Colaboração de José Mário Neves David, advogado e consultor. Contato: [email protected]).

Publicado na edição 10.806 de sábado a terça-feira, 2 a 5 de dezembro de 2023