
A Idade Média nos proporcionou uma história dicotômica entre ciência e religião ao longo de sua existência. Devido principalmente à ignorância do homem em relação à natureza que o cercava, um obscurantismo crescente tomou conta das principais instituições sociais. As únicas luzes que se sobressaiam no horizonte temente eram as luzes das fogueiras dos heréticos. Bastava refletir sobre uma filosofia que se contrapunha aos desígnios cristãos e já seria considerado um sério candidato às chamas da justiça divina.
Um dos acontecimentos mais proeminentes que marcaram essa relação dicotômica foi o famoso incêndio que destruiu a Biblioteca de Alexandria. Embora a história seja pautada em evidências rasas, a começar pela localização do acervo da biblioteca, que ora diziam estar espalhado pela cidade de Alexandria, ora confundido com o da biblioteca do museu da cidade, ela nunca deixou de ser propagada como uma das mais lastimosas perdas que a cultura humana já sofreu.
Da glória às cinzas
A Biblioteca de Alexandria era considerada o mais famoso “templo de conhecimento” da civilização grega e existiu por seis séculos após a sua fundação, feita por Ptolomeu I, por volta de 295 a.C.. Nela coexistiram diferentes tipos de cultura, como a egípcia, a síria, a asiática, a persa, entre outras. Os primeiros manuscritos foram trazidos de Atenas, mas logo se tornou comum chegar manuscritos do mundo todo que contavam as histórias de inúmeras outras civilizações. Analogamente chegavam pesquisadores das mais variadas partes do mundo civilizado, em sua grande maioria, matemáticos e filósofos famosos que realçaram o nome da Biblioteca. Entre eles destacam-se Euclides de Alexandria, Eratóstenes de Cirene, Aristarco de Samos, Ptolomeu de Alexandria, Diofanto de Alexandria e tantos outros.
O primeiro bibliotecário foi Zenódoto de Éfeso entre 284 a 260 a.C. e o último que se tem notícia foi Aristarco da Samotrácia. A Biblioteca chegou a guardar cerca de 700.000 manuscritos dos diversos ramos do conhecimento, como medicina, geografia, astronomia, filosofia, história, matemática e artes.
Já a história da destruição da Biblioteca é um tanto quanto confusa, como a sua própria existência. Ao contrário do que se pensa, a Biblioteca foi alvo de vários ataques estrangeiros e, ao que tudo indica, passou por mais de um incêndio. Um deles ocorreu em 48 a.C. durante a invasão romana, e outro, por volta de 391 com a ascensão dos cristãos ao poder. O fato é que ela desapareceu definitivamente no século IV d.C., no que se configurou uma grande perda para a ciência e para a própria humanidade.
Das cinzas à gloria
Um projeto iniciado por volta de 1986 envolvendo o governo egípcio e a UNESCO – organização as Nações Unidas para a Educação e Cultura – culminou em 2002, na inauguração da “Bibliotheca Alexandrina”, nome dado a uma biblioteca criada onde talvez tenha existido a famosa Biblioteca de Alexandria. Junto à construção principal, foram criados um centro de conferências, um planetário, uma escola internacional de estudos sobre informações, uma biblioteca para crianças e outra para deficientes visuais, um museu científico, um museu de caligrafia e um laboratório de restauração de manuscritos raros.
Os dados de 2002 dão conta que a biblioteca possuía nessa época, um acervo de 230 mil livros, 100 mil manuscritos e 50 mil mapas, mas poderia abrigar um acervo de 8 milhões de volumes.
Embora a nova biblioteca possa não reviver os dias de glória pelos quais passou a antiga biblioteca, quando em suas dependências Euclides escreveu o “Elementos de Geometria”, Erastóstenes calculou a circunferência da Terra, e Arquimedes desenvolveu os estudos de física, iniciativas como essa devem ser comemoradas entusiasticamente, haja vista que espaços destinados ao desenvolvimento da ciência, da cultura e da própria humanidade estão cada vez mais raros e limitados.
Para quem se interessar e quiser mais informações sobre a nova biblioteca, poderá acessar o endereço www.bibalex.org.
Colaboração de Wagner Zaparoli, doutor em ciências pela USP, professor universitário e consultor em tecnologia da informação.
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Publicado na edição nº 10293, de 2 e 3 de agosto de 2018.