O surgimento dos carros críticos no carnaval bebedourense

José Pedro Toniosso

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As agruras do dia a dia, fatos sociais, questões políticas, deficiência dos serviços públicos, tudo era alvo da irreverência utilizada pelos organizadores dos carros críticos que durante décadas marcaram a história do carnaval bebedourense.

Com muita criatividade e improviso, utilizando os mais variados tipos de material, com recursos próprios, de patrocinadores ou com verbas destinadas pela prefeitura, escolhia-se um tema, o mais polêmico possível, montava-se o carro e no dia marcado, saiam pelas ruas interpretando como se fosse um teatro móvel a céu aberto.

Pesquisando nos jornais locais, até o final da década de 1950, não foi constatado nenhum registro sobre a participação de carros críticos nos carnavais de Bebedouro, sendo que somente no início da década seguinte é que existiram algumas iniciativas isoladas para a montagem de “blocos críticos”, “carros críticos” ou “carros alegres”, que eram organizados espontaneamente e desfilavam de forma independente, sem ajuda de custo e sem a realização de concursos.

Em 1965, com a oficialização pela Prefeitura Municipal do denominado “Carnaval do Povo” foi formada Comissão Central e comissões auxiliares para organizarem os festejos, que naquele ano incluiu desfile de carros alegóricos, blocos e escolas de samba. Participaram o Bebedouro Clube, Associação dos Empregados no Comércio de Bebedouro e Sociedade Recreativa José do Patrocínio. Todos esses, além do Esporte Clube Paulista, organizaram bailes e matinês em seus salões.

Quanto aos carros críticos, após entendimento do então prefeito, Sérgio Sessa Stamato, com a Associação dos Universitários, coube a estes a organização, incluindo inscrição e acompanhamento durante os desfiles. Se inscreveram cinco carros, sendo eles: “Cine João Branco”, “Faculdade de Filosofia”, “Campo de Esportes”, “Não estou fazendo nada” e “Vamos a Londres torcer pelo tri”.

Os inscritos desfilaram primeiramente na 2ª feira, quando foram avaliados por uma comissão durante o percurso pelas ruas centrais, saindo da Praça Valêncio de Barros até a Praça Rio Branco, contornando-a e voltando no ponto de origem. Foi a primeira vez que foi realizado um concurso de carros críticos, sendo que o 1º lugar coube ao “Cine João Branco”, que fez jus ao prêmio de 20 mil cruzeiros e uma taça.

Na edição de 7 de março, ao divulgar o resultado, a Gazeta de Bebedouro publicou o seguinte comentário: “O carro “Cine João Branco” foi realmente realizado para vencer, dadas as minúcias de sua apresentação, os detalhes interessantes que só a juventude criadora dos estudantes pode idealizar e a oportunidade da crítica apresentada. Nada foi esquecido: o filme se interrompendo constantemente, a programação para ‘ontem’, o ‘made in Turvinia em 1882’, a tela muito branca, onde ao lado do FIM aparecia uma barata enorme, os gritos do casal de namorados ao apagarem-se as luzes, o flit para as pulgas, a teia de aranha no canto e mais detalhes que foram para o povo motivo de risos e aplausos […]”.

A partir de então surgiram diversos grupos de jovens que participaram de várias edições do concurso de carros críticos. No entanto, nem sempre os resultados eram bem recebidos. No desfile de 1969, por exemplo, houve a inscrição de nove carros, que desfilaram e concorreram aos prêmios, os quais foram angariados junto às empresas locais. O primeiro lugar coube ao carro “Esquina Lotérica”, seguido por “Transplante de Corintiano” e “Clínica de Transplante”.  Os responsáveis deste, que ficou em terceiro lugar, não aceitaram o resultado, divulgado no segundo dia de desfile. Inconformados, os integrantes apagaram as luzes do carro, jogaram as vestimentas ao chão, dirigiram ofensas aos organizadores e quebraram o carro, tudo isso diante do público.

O concurso de carros críticos teve continuidade nos carnavais por vários anos, sendo que em 1976 houve o recorde de doze inscritos. O fato de os grupos contarem com o repasse de verba pública para a montagem dos carros acabou gerando uma dependência que dificultou a participação quando o recurso precisou ser reduzido ou não foi repassado.

Desta forma, chegou ao fim algo que se tornara uma tradição no carnaval local, quando era possível levar irreverência e crítica ao público da avenida, com a possibilidade de ser premiado por isso.

(Colaboração de José Pedro Toniosso, professor e historiador bebedourense www.bebedourohistoriaememoria.com.br).

Publicado na edição 10.820, de sábado a sexta-feira, 10 a 16 de fevereiro de 2024