Os anjos da morte

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Quando falamos sobre o nazismo, nos vêm logo à mente infindáveis atrocidades cometidas durante os anos entre 1936 e 1945, que mais lembram cenas do inferno do que da terra. No início, a idéia de uma raça pura limitava-se a esterilizar os incapazes e deficientes; depois passou a utilizar a eutanásia como método de eliminar os inválidos e improdutivos; por fim, lançou mão do extermínio explícito e massivo. Resultado: mais de seis milhões de mortos.
Por trás desse ambiente de matança e sofrimento existia um sistema complexo e muito bem organizado. Uma das mais importantes células desse sistema era a destinada à pesquisa médica, tanto que findada a guerra em meados de 1945, os EUA importaram vários médicos nazistas alemães para as suas universidades e centros de pesquisa.

O teatro dos horrores
O palco era Auschwitz, um dos vários campos de concentração nazista. Os atores eram formados, de um lado, por judeus, ciganos, homossexuais e inválidos, as vítimas desafortunadas do regime; de outro, por médicos (se é que podemos assim denominá-los) que tinham a missão de transformar rapidamente a ciência médica alemã em ícone de grandeza, independentemente da ética, moral e civismo.
Estabelecidos então os principais elementos da peça, falemos das regras. Não, na verdade não havia regras, pelo menos para as vítimas. Existia o hábito de serem torturadas 24 horas por dia até que o alívio da morte chegasse.
Auschwitz foi um dos primeiros campos de concentração criado pelos nazistas. Ficava em Oswiecim, no sul da Polônia, e começou a funcionar como campo de extermínio por volta de 1941. Lá, pelo menos 1,2 milhão de pessoas perderam suas vidas. Esse campo era dividido em blocos, cada qual com objetivos específicos. Alguns deles eram destinados à pesquisa médica, como o 10, o 28 e o 41.
O Bloco 10 era destinado à pesquisa ginecológica e reprodutiva. Nele, o dr. Carl Clauberg e equipe realizavam experimentos de esterilização em massa, através da aplicação de injeções de agentes cáusticos, como a formalina, nos colos uterinos para ver o quanto destruiriam ou obstruiriam os ovidutos. Centenas de mulheres ocupavam o bloco e quando não serviam mais para os testes eram enviadas a Birkenau, campo exclusivamente de morte.
No Bloco 28 substâncias químicas eram esfregadas nos corpos dos homens para causar abscesso grave, infecção ou queimaduras; também eram forçados a ingerir pós tóxicos para estudo de lesão gástrica e hepática.
Já o Bloco 41 foi projetado para permitir vivissecções, onde os membros das pessoas eram cortados ou abertos para expor os músculos e receber aplicações de vários medicamentos, tudo sem anestesia.

O verdadeiro anjo da morte
De todos os médicos e pesquisadores que trabalhavam em Auschwitz, um deles chamado Josef Mengele, era considerado o mais bárbaro e cruel, segundo alguns sobreviventes. Comandante médico do campo, Mengele escolhia pessoalmente as suas cobaias humanas, principalmente as crianças gêmeas. Os seus experimentos iam da injeção de pigmentos nos olhos, à sutura das crianças para simular gêmeos siameses. A morte para elas era um alívio e fatalmente isso lhes acontecia, como a todas as outras cobaias que por ali passavam.
Um dos acontecimentos mais desumanos perpetrado por Mengele e revelado por um de seus patologistas quando depunha diante de uma comissão em 1945, dizia respeito a 14 gêmeos que foram mortos sumariamente em uma só noite. Vejam o depoimento: “… de uma caixa, ele pegou evipan e, de outra caixa, pegou clorofórmio… Depois disso, a primeira gêmea foi trazida, uma menina de 14 anos de idade. Dr. Mengele me ordenou que despisse a menina e a colocasse na mesa de dissecção. Então, injetou o evipan no braço direito dela, por via intravenosa. Depois que a criança caiu adormecida, ele procurou o ventrículo esquerdo do coração por palpação e injetou 10cc de clorofórmio. Após um único e pequeno espasmo, a criança estava morta, quando então dr. Mengele ordenou que a levassem para o necrotério…”.
Ironicamente Mengele, que recebera o apelido “anjo da morte” por suas atividades em Auschwitz, nunca foi julgado ou punido pelos crimes cometidos. Conta a história que sua última morada foi o Brasil, onde viveu clandestinamente por 19 anos até morrer por afogamento em Bertioga (litoral paulista) em 1979.

Publicado na edição nº 10177, de 14 e 15 de setembro de 2017.