O consumo de carne no mundo está aumentando. De acordo com a FAO – Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação – até 2020 a previsão de crescimento da produção para a carne bovina será de 5 milhões de toneladas, para a carne suína, 20 milhões, e para a carne de frango, 30 milhões. Os Estados Unidos ainda mantém a primeira posição entre os produtores de carne bovina, mas o Brasil, nos últimos dez anos, se tornou o primeiro da lista em termos de exportação. Dentre as principais motivações dessa elevação, duas se destacam: o crescimento populacional e o aumento do poder aquisitivo das classes menos abastadas.
Só no Brasil são mais de 174 milhões de hectares destinados a pastagens, ou seja, 20% do território nacional. Cada brasileiro consome em média cerca de 40 kg de carne por ano, e, exceto pela crise política e econômica que o país vive, a tendência é que esse número se mantenha pela próxima década.
De acordo com a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, o custo de toda essa produção de carne é muito alto para o meio-ambiente. No mínimo, 50% dos gases de efeito estufa emitidos na atmosfera são devidos à pecuária bovina, que entre outras mazelas, também é responsável pelo grande desmatamento na Amazônia e no Cerrado. Em resumo, a manutenção bovina requer mais terra, mais água e mais nitrogênio para sobreviver, colocando a sustentabilidade do planeta em situação sensivelmente delicada.
Alternativas tecnológicas
Há alguns anos, Sergey Brin, um dos fundadores da Google, financiou uma pesquisa liderada pelo fisiologista Mark Post para criação de hambúrgueres em laboratório. O teste de paladar foi realizado em 2013 e apesar dos resultados conflitantes, serviu de estímulo para que várias empresas no mundo fossem criadas para desenvolver e aprimorar produtos semelhantes.
Empresas como a Memphis Meats Inc., Mosa Meat e Modern Meadow Inc. preveem que em poucos anos será possível colocar nas prateleiras dos supermercados a dita “carne cultivada”, obtida a partir do isolamento de células renováveis de vacas e porcos, tratadas com oxigênio e nutrientes. Essas células se desenvolvem em tanques biorreatores e se convertem em músculos depois de 9 a 12 dias de tratamento, prontos para o consumo.
Polêmica no horizonte
Embora investidores como Bill Gates (Microsoft), Biz Stone e Evan Williams (Twitter) estejam investindo em startups de proteínas à base de vegetais, como as Beyond Meat e Impossible Foods Inc., o fato é que antes dos hambúrgueres chegarem à mesa do consumidor, as controvérsias já o fizeram.
Primeiro, alguns representantes da indústria da carne predizem que os consumidores adeptos à comida natural e orgânica, sem aditivos ou ingredientes geneticamente modificados, dificilmente adotarão a carne cultivada em laboratório; segundo, a produção desse tipo de carne ainda necessita do soro sanguíneo do animal, o que requer uso de antibióticos no produto final; terceiro, o seu custo é proibitivo: enquanto meio quilo de carne bovina moída chega ao consumidor final por cerca de US$ 4, a produção da mesma quantidade de carne cultivada não custa menos do que estrondosos US$ 18 mil.
Por outro lado, o assunto ainda está dando os seus primeiros passos e de acordo com o diretor-presidente da Memphis Meats, Uma Valeti, está no caminho do florescimento. Ele, que também é cardiologista e professor de medicina na Universidade de Minnesota, acredita que em 20 anos a maioria da carne oferecida nos supermercados será a cultivada em laboratório.
Se vale um ponto a favor desse tipo de carne, os alimentos transgênicos, que causaram tremenda rejeição aos consumidores ao final do século 20, hoje estão tão disseminados entre nós que já não sabemos mais o que é e o que não é transgênico daquilo que consumimos. E não reclamamos.
Como dizia Charles Darwin, tudo é uma questão de adaptação.
Publicado na edição nº 9954, de 27, 28 e 29 de fevereiro de 2016.