Os imperadores do clima

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Em 2006 o documentário “Uma verdade inconveniente” foi lançado no Festival Sundance de Cinema em Utah, Estados Unidos. Para quem não se lembra, ele trata das mudanças climáticas do planeta e fez um sucesso estrondoso em seu lançamento, faturando tempos depois, dois Oscars na maior festa de cinema em Hollywood.
A despeito de ter despertado a ira de muitos oposicionistas da teoria sobre o aquecimento global, o documentário serviu de alerta ao mundo sobre os efeitos da ação humana para o futuro do planeta. Houve uma convergência em larga escala das atenções pelo assunto sustentabilidade, quando mídia, governos, ONGs e população discutiram sistematicamente e freneticamente causas e conseqüências dessas mudanças. Ao final da primeira década do século 21 muito havia sido discutido, mas, entretanto, pouco havia se tornado prática.
Hoje o assunto se arrefeceu e quase não se fala sobre o derretimento das calotas polares, sobre o aumento constante da temperatura do planeta, sobre a devastação das florestas e sobre a poluição provocada por indústrias e automóveis. É como se tivéssemos tomado uma pílula de conformismo que nos levou a deixar esse assunto de lado, considerando-o de fato, ele mesmo o inconveniente.
Para corroborar com essa história, em 2009 veio à tona um escândalo que abalou profundamente a credibilidade do IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – o qual havia distorcido dados da conclusão sobre o desaparecimento das geleiras do Himalaia em 2035. Lembro que o IPCC é o órgão mundial mais conhecido e atuante sobre os assuntos climáticos e que em 2007 ganhou o Nobel da Paz devido a essa atuação.

Vieses diferentes

Se o conjunto de congressos, seminários, documentários, protocolos, encontros e debates realizados por décadas recorrentes sobre as mudanças climáticas não foi suficiente para entornar o caldo da reversão sistematizada dos problemas que afetam o meio-ambiente, alguns pesquisadores tentam rotas alternativas. 
Uma delas diz respeito à geoengenharia que visa estudar a viabilidade de realização de intervenções no clima global por meios tecnológicos. Por exemplo, espalhando partículas aerossóis na estratosfera ou semeando nuvens para aumentar a nebulosidade do planeta, o que refletiria parte da radiação solar, resfriando o planeta e diminuindo as concentrações de gases do efeito estufa. Outros exemplos poderiam ser o aumento da refletividade das superfícies das construções, o reflorestamento em larga escala e o espalhamento de íons de ferro nos oceanos para aumentar a fertilidade das algas que seqüestram o CO2.
A geoengenharia não é novidade. Essa disciplina é debatida no mundo acadêmico desde 1960, mas ganhou visibilidade no governo de George W. Bush entre 2001 e 2009. Bush, enquanto presidente dos EUA, entendeu ser mais viável adotar um viés diferente para as questões climáticas do que lidar de frente com os reais problemas que provocam o aquecimento. O peso de enfrentar a indústria do petróleo falou mais alto nesse caso.

Conseqüências prováveis

Embora ainda em estado teórico, a geoengenharia tem gerado muita polêmica nas cercanias do mundo acadêmico. Alan Robock, pesquisador da Universidade Rutgers, Estados Unidos, é uma das vozes latentes que apontam mais riscos do que benefícios para a sua utilização. Entre outros efeitos, Robock afirma que ações radicais poderiam descontrolar o clima, reduzindo, por exemplo, as chuvas anuais (monções) sobre a Ásia e a África, o que diminuiria a produção de alimentos causando uma catástrofe para centenas de milhões de pessoas. A geoengenharia também poderia ser utilizada como arma de guerra entre as nações. Nas mãos de um ditador inconseqüente, ela poderia provocar grandes tragédias para a população mundial.

Questão crucial

Sejam soluções alternativas a curto prazo, sejam a longo prazo, o fato é que existe um ponto crucial a ser observado: mudanças de hábito. Ao longo da evolução da humanidade, migramos das cavernas para as cidades e declinamos dos animais para utilizar desenfreadamente os automóveis movidos à combustão. Literalmente aprendemos a viver sob o conforto da tecnologia. Podemos conversar, debater ou até negociar o meio-ambiente, mas ou abrimos mão de parte de nosso conforto agora e nos adaptamos a nova realidade ou vamos ter que abrir mão de nosso planeta no futuro. Qual será a escolha?

(Colaboração de Wagner Zaparoli, natural de Bebedouro, doutor em Ciências pela USP, mestre em Ciência da Computação, professor de lógica e consultor. E-mail: [email protected]).

Publicado na edição n° 9578, dos dias 1° e 2 de agosto de 2013.