

O ser humano é movido por paixões e pela busca pelo prazer, desde que o mundo é mundo. Não se pode negar a natureza humana, seus anseios e suas motivações. Tal condição, que em certa medida nos vulnerabiliza, abre espaços para vícios que podem ser prejudiciais para a sociedade em maior ou menor grau. Há quem se vicie em drogas, lícitas ou ilícitas; há quem encontre no sexo uma fonte de satisfação e exageros; há, também, quem faça do exercício físico uma rotina, o que pode parecer saudável, mas que em excesso representa um risco aos limites do corpo. Os vícios são perigosos e podem nos conduzir, consciente ou inconscientemente, para o buraco. E nesse rol de comportamentos deletérios e exagerados, há um elemento relativamente novo: as apostas online ou “bets”, que sob o argumento da diversão, tem silenciosamente causado transtornos para a sociedade.
Dados apontam que o mercado global de apostas esportivas online tem apresentado um crescimento expressivo nos últimos anos, com projeções indicando que o setor deve atingir o expressivo valor de US$ 140 bilhões em apostas até 2028, montante superior ao Produto Interno Bruto (PIB) de muitos países. No Brasil, esse mercado se expandiu rapidamente, especialmente a partir de 2018. Pesquisas recentes mostram que os brasileiros gastaram cerca de R$ 20 bilhões por mês em apostas online nos primeiros oito meses de 2024, com aproximadamente 24 milhões de pessoas físicas, especialmente homens jovens e de classes sociais mais baixas, participando de jogos de azar e apostas online através de aplicativos de celular e websites. Um levantamento do banco Itaú revelou que, entre junho de 2023 e junho de 2024, as bets movimentaram cerca de R$ 68,2 bilhões no país.
O crescimento do mercado de apostas no Brasil tem gerado impactos significativos na economia, especialmente no setor de varejo. Um relatório do banco Santander demonstrou que, desde 2018, o percentual da renda familiar gasto com apostas saltou de 0,8% para 1,9%, podendo chegar a 2,4% em determinados casos. Um crescimento significativo em um curto espaço temporal. Ao mesmo tempo, o dinheiro reservado para compras de varejo, que incluem alimentos, roupas, móveis, eletrônicos e outros produtos, diminuiu de 63% em 2021 para 57% em 2023. Adicionalmente, uma pesquisa da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP) revelou que 41% dos entrevistados destinaram às bets o dinheiro antes utilizado para outros tipos de entretenimento, enquanto 20% dos participantes da pesquisa usaram para os jogos online os recursos que seriam destinados para o pagamento de contas.
Os malefícios causados pelo crescimento do mercado de apostas na sociedade brasileira são preocupantes. O vício em apostas tem se tornado um problema de saúde pública, com estudos da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) demonstrando que cerca de 15% dos apostadores desenvolvem algum grau de vício. O endividamento também é uma consequência grave dessa onda de apostas, já que impressionantes 86% dos apostadores apontam ter algum grau de dívidas decorrentes do uso das bets. Além disso, recursos que antes eram destinados à qualidade de vida estão sendo redirecionados para as apostas online. Uma pesquisa da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo demonstrou que 23% dos entrevistados deixaram de comprar roupas, 19% de fazer compras em supermercados e 11%, de pagar contas para apostar. Esse cenário tem levado a crises de dívida e saúde mental, comprometendo o bem-estar financeiro e emocional de muitas famílias brasileiras.
Nesse cenário, é importante termos em mente que o mercado das bets, sob o pretexto da diversão, causa problemas financeiros e psicológicos para muitas famílias brasileiras, além de prejudicar a economia do país como um todo. A facilidade de acesso às bets – basta abrir o aplicativo no celular ou acessar o website de apostas –, somada ao desejo de mudança de vida através de ganhos financeiros imediatos, faz com que essa aparente diversão se torne um problema social e de saúde pública, ao custo dos lucros das empresas envolvidas no setor, muitas delas estrangeiras, e da arrecadação para o governo federal, que necessita desesperadamente de recursos. Não basta regulamentar o mercado das bets e fazer propaganda na TV pedindo o uso consciente das plataformas de aposta. É preciso enfrentar a situação como um problema social complexo que gera sofrimento para muitas famílias brasileiras e que prejudica o desenvolvimento socioeconômico do Brasil.
(Colaboração de José Mário Neves David, advogado, conselheiro e consultor. Contato: [email protected]).
Publicado na edição 10.889, quarta, quinta e sexta-feira, 20, 21 e 22 de novembro de 2024 – Ano 100