
Tempos sombrios suscitam reavaliação de trajetórias. Por mais preparados estivéssemos para surpresas desagradáveis, talvez não imaginássemos que a pandemia expusesse de forma tão crua a nossa irrelevância. Impotentes, vimos a contaminação crescente, as mortes em ritmo alucinante, o mistério a ser desvendado e as consequências trágicas dessa catástrofe.
Desabrochou, em inúmeros corações, o sentimento de solidariedade. Se a todos foi imposta a lei marcial do confinamento, para alguns o castigo chegou mais inclemente. Escancarou-se o universo dos invisíveis, dos excluídos, dos despossuídos, dos hipossuficientes, dos desprovidos de quase tudo: terra, teto, emprego e comida.
Houve uma espécie de reversão na tendência contemporânea ao exacerbado egoísmo consumista. Pensou-se no outro. Quem é esse outro?
Nossa existência é fundamentalmente confirmada pelo olhar do outro. Começamos a existir quando o outro nos vê. Um indivíduo se torna realmente uma pessoa, a partir do olhar alheio.
O outro faz parte de mim. É com ele que eu me relaciono. Por isso é que preciso aprender a conversar, a ouvir e a amar. “Não concebo que aquele que não tem necessidade de nada possa amar alguma coisa; não concebo que aquele que não ama nada possa ser feliz”, escreveu Jean-Jacques Rousseau, o autor do “Contrato Social”, para quem o ser humano é bom por natureza. A sociedade é que o corrompe.
Somos, sem exceção, seres dependentes do amor. E amar é algo que incumbe primeiro aos pais, ou quem estiver no lugar deles, ensinar às crianças. Iniciar essa preparação o quão mais cedo possível: “O começo é a parte mais importante de qualquer trabalho, especialmente quando se é jovem e tenro, pois este é o tempo em que o caráter está sendo formado e a impressão desejada é mais prontamente aceita”, na lição imorredoura de Platão.
Continuar a ensinar a todos quem é o outro é um compromisso que a humanidade tem de assumir, após a provação da Covid19. Lembrar que “nossas ações ressoam muito além do nosso ambiente imediato”, como diz o Dalai Lama. Se a humanidade retomar o respeito e o amor ao próximo como política pessoal de vida, o mundo também será outro. Para melhor.
(Colaboração de José Renato Nalini é Reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e Presidente da Academia Paulista de Letras – 2021-2022).
Publicado na edição 10.557 de 24 a 26 de fevereiro de 2021.